De direita ou de esquerda o populismo é a forma fácil de conquista a simpatia do povo, normalmente associamos o populismo à extrema-direita assumida e aos seus tiques xenófobos ou racistas. O Ventura achou que ganhava mais votos atacando os ciganos, a extrema-direita alemã ganhou votos criticando o apoio aos refugiados, o Brexit venceu com os ataques aos emigrantes.
Mas há muito mais populismo para além da extrema-direita, os estratagemas ideológicos da extrema-direita não passam de discursos fáceis de conquistar apoios. Neste sentido há muitas formas de conquistar os eleitores, apelam aos sentimentos de ódio, outros aos bons sentimentos, à comiseração, ao dó, à pena ou, como está muito em voga, aos afetos.
Critica-se, com toda a razão, a forma como Passos Coelho tentou aproveitar-se dos incêndios, mas se fizermos um balanço quem mais ganhou em termos políticos com as tragédias deste verão foi Marcelo Rebelo de Sousa. Marcelo é um político como todos os outros, como político tem os mesmos objetivos que todos os outros. Só que é o político português com mais experiência na utilização da comunicação. É também o político português que sempre usou a manipulação como instrumento privilegiado.
Porque havemos de considerar que Passos foi um oportunista e Marcelo é um idoso cheio de amor para dar aos outros? Porque consideramos que o se mexe por egoísmo e o outro move-se apenas por amor? Porque consideramos que um ambiciona o poder e o outro é um frade da Cartuxa em regime de liberdade?
Veja-se o que sucedeu no dia de ontem, perante a necessidade de adotar medidas urgentes o governo desdobrou-se em reuniões, alguns dos seus ministros terão trabalhado horas a fio, António Costa teve mesmo de se deslocar a Bruxelas para participar num Conselho Europeu. O que fez Marcelo? Foi visitar as zonas devastadas pelo fogo e sugeriu que os deputados deviam estar ali. Alguns jornalistas, num estranho e coincidente coro, sugeriam que Marcelo estava junto do povo, enquanto Costa se escondia no gabinete.
Passar a imagem do presidente que não tem medo do povo por oposição ao primeiro-ministro que por ter sentimentos de culpa tem medo do povo, aproveitando-se da ausência forçada dos que tem de fazer o trabalho não é uma forma de populismo, não é um oportunismo bem mais atroz do que as posições desastradas de Passos Coelho. O que é certo é que Marcelo cresce nos likes, Passos está arrumado e Costa teve de enfrentar as tragédias, enquanto Marcelo aproveitou as circunstâncias para consolidar a sua popularidade.
Se Marcelo gosta tanto de estabelecer prioridades, como o fez em relação aos sem-abrigo, ao pagamento da dívida e agora à reconstrução nas zonas devastadas pelos incêndios, se a segurança é um princípio da Constituição que ele cumpre e faz cumprir, porque motivo nestes quase dois anos, enquanto nada de grave sucedeu, ignorou tão grande perigo à vista de todos e nunca definiu uma prioridade para as florestas? Em tantos anos de comentador televisivo nunca reparou nos incêndios, andava assim tão distraído a dar mergulhos?
É a diferença entre o populista e aquele que não o é, uns definem as prioridades ao longo de toda a vida outros passam uma vida sem um dia de voluntariado e quando chegam a presidentes dedicam-se a dar jantares aos sem-abrigo. Uns definem prioridades prevendo os problemas, outros estabelecem as prioridades a pensar na sua imagem já depois dos problemas serem óbvios. Uns resolvem problemas, outros capitalizam com os problemas.
Esta estratégia dos afetos por parte de Marcelo não será mais uma forma fina de populismo, que visa os mesmos objetivos de todas as formas de populismo, a simpatia e o voto fácil? Os populistas não apresentam soluções, Marcelo não só não as apresenta como as exige aos que estão empenhados em encontrá-las, não faz e aproveita-se do trabalho alheio, passando a mensagem de que tudo o que se faz e alcança se deve a ele e aos seus afetos.