sexta-feira, novembro 10, 2017

O POLVO DA GENTE BONDOSA

Em Portugal há uma economia paralela, todos dias acusada e condenada por ser causadora de todos os males, dela se diz que domina 25% da economia, que destrói tudo à sua volta e cria um mercado sem regras. Mas há outra economia, talvez tão ou mais poderosa e em franco crescimento, alimentada por políticos bem-intencionados e por boas almas, que de dia para dia consome uma cada vez maior fatia dos recursos do Estado.

É o imenso submundo da economia social, a que poderemos acrescentar muitos outros negócios geridos de forma opaca, sem estar sujeita a quaisquer regras de mercado, a controlos fiscais, a regras de qualidade ou de concorrência, porque são geridos por gente voluntariosa e bondosa. É uma imensa economia que vai das ONG às Santas Casas, das associações de pais às corporações de bombeiros, das sociedades municipais aos gratificados da GNR e da PSP.

O que une toda esta economia é a ausência ou quase ausência de concursos ou de concorrência, o fato de crescerem à sombra do orçamento ou dos recursos do Estado, de os seus dirigentes serem na maior parte dos casos pequenos caciques que se autoelegem e que ajudam a manter a carreira de deputados e dirigentes partidários, de não serem escrutinadas por entidades oficiais como o fisco, as inspeções do trabalho ou da segurança social. Em tempos a ASAE ainda fechou cantinas desta gente bondosa e foi o que se viu, uma campanha contra quem aplicava a lei.

Esta economia paralela é bem mais mafiosa do que a outra, porque se assume como legal e beneficia de regras ainda melhores do que a tradicional, porque se mete na política e em muitas autarquias já decidem quem deve ganhar, porque cresce cada vez mais, porque se está transformando num imenso polvo que domina o Estado e os partidos. De resto, vive do mesmo esquema, poucos impostos, trabalho sem regras e por vezes quase escravo, mas tudo a coberto de uma estranha legalidade.

Há muitos políticos nacionais que se apoiam em pequenos clãs desta economia paralela, alguns deputados dedicam-se a criar instituições, que ajudam a aceder aos fundos públicos e que depois servem de base de apoio eleitoral. Neste domínio há vários mercados, as ONG, as Santas Casas, a muitas outras IPSS, as corporações de bombeiros voluntários, as associações de pais e muitas outras formas de esconder negócios.

Quem controla o negócio das cantinas, que legislação laboral se aplica a negócios onde se misturam voluntários, subsidiados por programas ocupacionais, que regras de mercado fixam os preços e que regime fiscal se aplica aos remunerados da PSP e da GNR que usam recursos públicos? Tudo isto é muito opaco, um mundo protegido por políticos que se apoiam nos votos que esta máquina oleada e altamente corrupta consegue. 

Os partidos têm os seus mercados, a direita gosta das Santas Casas, o Bloco investe furiosamente nas associações de pais. A direita exige que sejam as Santa Casas a gerir o negócio dos apoios sociais, o BE quer que sejam as associações de pais a gerir o mercado das cantinas escolares. No meio de tudo isto há um imenso silêncio e até os sindicatos ficam calados. É um mundo onde impera uma omertà, onde não há lei, não há mercado, não há transparência, não há lutas laborais, onde não há lei. Num dia aparece uma lagarta viva na sopa, no outro um deputado disfarçado de vereador lança petições (se o senhor foi eleitos porque motivo faz intervenções em vez de se assumir enquanto deputado?), é uma imensa máquina a querer disputar dinheiro fácil dos contribuintes, em esquemas sem transparência e sem regras.