segunda-feira, maio 05, 2008

A crise alimentar


A crise alimentar mundial merece uma reflexão mais séria do que aquela a que assistimos à escala nacional ou mundial. Não basta atribuir as culpas aos biocombustíveis, imaginar que Portugal pode ser auto-suficiente, defender o proteccionismo europeu ou aproveitar a situação para obter ganhos eleitorais.

O aumento da produção de biocombustíveis é uma das causas do aumento dos preços mas não é a única, o aumento da procura por parte das economias emergentes tem igualmente peso neste aumento de preços. O crescimento económico de algumas economias (China, Rússia, Índia, Brasil), a desvalorização do dólar, a revalorização de algumas moedas (China), a quebra de produção (Austrália) e a redução dos excedentes comunitários são alguns dos factores que mais contribuíram para a escalada dos preços, que se tornou imparável numa situação em que os stocks são escassos.

Não basta culpar as reformas da PAC que resultaram na redução da produção europeia, os excedentes comunitários e as suas políticas proteccionistas do passado resultaram na perda de competitividade das agriculturas mais pobres.

De nada serve apelar à auto-suficiência nacional em cereais, Salazar também sonhou com isso, promoveu a campanha do trigo e os resultados são desastrosos. Portugal não dispõe de recursos em terras aráveis para produzir cereais aptos para o consumo humano em quantidade suficiente. Além disso, esse aumento de produção seria conseguido à custa de outras culturas mais rentáveis e adequadas a um bom uso dos solos.

Para a crise internacional não há solução à vista em termos imediatos, o aumento da produção de cereais não se consegue de um dia para o outro. A solução do problema nacional deve ser encontrada no quadro da Política Agrícola Comum, de nada valem os discursos nacionalistas ou do tipo “um passo em frente”. A PAC deve assegurar aos Estados-membros da EU a sua segurança alimentar assegurando preços razoáveis aos consumidores. As recentes reformas da PAC não foram neste sentido e os resultados estão à vista, os aumentos dos preços deixam os ministros da agricultura e os agricultores felizes mas poderão ter graves consequências sociais.

Ao nível internacional a situação é bem mais grave, a actual produção é insuficiente para assegurar a alimentação da população mundial, este desequilíbrio só não é mais evidente porque uma boa parte da população vive numa situação de subnutrição. Com o aumento da população mundial e a melhoria das condições de vida nas economias emergentes a procura de alimentos crescerá a um ritmo superior à oferta. Dado que o aumento das terras aráveis é lento (1% ao ano) bem como o aumento da produtividade (1% ao ano), as instituições internacionais terão que investir em soluções que evitem uma crise alimentar muito grave a médio prazo.

Mas parece que quer os responsáveis nacionais, quer os líderes mundiais andam distraídos.