Uma das imagens que ficam da campanha presidencial é a aposta política feita por Cavaco Silva num eventual pedido de ajuda ao FMI, perante o risco de falhanço de divida soberana na quarta-feira, dia 12 de Janeiro, a excitação do candidato foi tanta que mudou os discurso centrando as atenções na operação e dizendo que o governo deveria ser responsabilizado caso tivesse que pedir ajuda ao FMI. Já próximo do dia do leilão e perante o esforço de Sócrates, que culminou com posições favoráveis de Merkel, o candidato deu uma cambalhota oportunista no seu discurso passando a defender que confiar nos esforços do governo. Confirmado o sucesso da operação, Cavaco Silva laçou dúvidas sobre a mesma dizendo que era bom sabermos quem comprou a dívida e mudou o discurso político, deu mais uma cambalhota e voltou a falar de crise política desta vez sem a ajuda do FMI, digamos que uma crise doméstica como a que foi em tempos fabricada pelo seu assessor Fernando Lima.
O país viu de um lado um Presidente da República a usar a crise financeira em benefício político próprio, apostando na crise para se livrar do primeiro-ministro, enquanto este se desdobrava em viagens e contactos internacionais procurando apoios par o país e tentando forçar a União Europeia a ter outra abordagem em relação à forma de defender o euro e os países do sul dos ataques especulativos. De um lado Cavaco Silva santificava os mercados e os especuladores, do outro Sócrates dava o tudo por tudo para livrar o país das receitas económicas draconianas do FMI. De um lado um Cavaco que defende o crescimento mas não se importa que este seja adiado se isso significar a adopção daquelas receitas, do outro um primeiro-ministro a lutar sozinho para viabilizar a venda de dívida soberana assegurando a autonomia do país. De um lado um Presidente a sonhar com a ajuda externa ao seu projecto político, do outro um primeiro-ministro a evitar essa ajuda venenosa.
Sócrates ganhou a batalha e fê-lo de tal forma que uma boa parte da Europa respirou de alívio, começando pela Espanha que estava a ficar à beira de Wall Street, passando pela Alemanha que receava o colapso da Espanha e acabando pelos investidores da Wall Street. Enquanto uns reduziam a vinda ou não do FMI a uma questão meramente doméstica e tentavam colher frutos políticos, Sócrates colocava o problema no domínio da gestão da união monetária, os primeiros perderam e o segundo ganhou.
O mesmo Cavaco que, de forma descaradamente oportunista, tentou chamar a si os louros diplomáticos pela conquista de um lugar no Conselho de Segurança da ONU, esqueceu as suas “grandes” influências internacionais e os seus vastos conhecimentos de economia na hora de evitar a vinda do FMI. Se o FMI não está em Portugal não é porque isso não fosse um desejo de Cavaco, é sim o resultado do esforço pessoal de José Sócrates.
A direita deverá ter-se sentido órfã quando viu a chanceler alemã acarinhar José Sócrates apoiando-o na sua estratégia e cedendo parcialmente aos argumentos dos países do sul, já se falando numa mudança na gestão do fundo de estabilização que aliviará a pressão sobre Portugal. Para esta dor de alma da direita portuguesa contribui a simpatia de Merkel por José Sócrates, simpatia que às vezes parece roçar a paixão, o que tem sido evidente em muitos momentos do relacionamento entre os dois políticos. Só isso explica a forma menos digna como Merkel recebeu Manuela Ferreira Leite antes da campanha das legislativas, a pobre líder da direita portuguesa teve que dar a sua palavra de honra de que tinha estado com a chanceler pois o encontro foi absolutamente discreto e sem que Ferreira Leite tivesse direito a uma fotografia ou qualquer outra prova de que o encontro se tinha realizado. O que terá sentido a chanceler Merkel quando os telegramas diplomáticos lhe davam conta da aposta de Cavaco Silva na responsabilização do primeiro-ministro português pela vinda do FMI, enquanto este se desdobrava em esforços diplomáticos para o evitar. Terá percebido que Cavaco não precisou de esperar por ser reempossado para passar da cooperação estratégica à intervenção activa, já o estava a fazer com a tacanhez de quem põe os seus objectivos pessoais à frente dos interesses do país.
O candidato que em tempos dizia que sabia muito de economia e queria ajudar Portugal escolheu o momento mais difícil do país para deixar de oferecer a sua ajuda, de professor catedrático de economia Cavaco passou ao estatuto de mísero professor que nada percebe de termos económicos em inglês, de um político que queria ajudar passou a ser um político que se quer aproveitar das crises ou manifesta interesse nelas para justificar a sua acção.
Enquanto Cavaco esperou pela crise e usou a sua ameaça para conseguir votos e sobreviver na Presidência da República, José Sócrates lutou sozinho para evitar a crise e conseguiu-o. Cavaco poderá ter ganho as eleições a Manuel Alegre mas perdeu em toda a linha contra Sócrates, não ajudou quando a sua ajuda poderia ter sido útil, não promoveu estabilidade quando esta era mais necessária ao país e acabou por ser eleito sem uma maioria significativa, com as sondagens a recusarem a maioria absoluta e, como se tudo isso fosse pouco, com uma “asa partida” devido à falta de esclarecimento sobre a forma como ganhou dinheiro com os seus negócios familiares.
Se alguma vez o FMI vier a Portugal não será para ajudar o país, será para ajudar Cavaco Silva, o Presidente da República é que está cada vez mais a precisar da ajuda internacional.