Num país com grandes dificuldades financeiras, onde os contribuintes são sacrificados para assegurar a manutenção de um SNS que assegure o acesso de todos à saúde seria de esperar que todos os profissionais do sector condenassem de forma clara os oportunistas e gatunos. Ontem o MP deteve vários profissionais do sector farmacêutico responsáveis por uma grande fraude envolvendo um medicamento comparticipado pelo Estado.
Seria de esperar que os responsáveis do sector condenassem de forma clara os gatunos, demarcando-se do oportunismo e afirmando a honestidade dos profissionais do sector. Surpreendentemente, o discurso de João Cordeiro, presidente da Associação Nacional de Farmácias, e de Silva Elias, presidente do Sindicato Profissional dos Profissionais de Farmácia, foi no sentido de ignorar a culpa dos criminosos e de responsabilizar a tutela por eventuais falhas de controlo. Isto é, para estes senhores a ocasião faz o ladrão e assim sendo também o desculpabiliza, os criminosos são ilibados e a culpa deve ser atribuída à ministra.
Na generalidade dos países europeus estes dois senhores teriam sido ridicularizados, desde logo pelos próprios jornalistas, os seus associados ter-se-iam sentido indignados, os cidadãos ter-lhe-iam apontado o dedo. Mas por cá as declarações passaram incólumes e só faltou algum jornalista defender que quem deveria ter ficado com termo de identidade e residência era a ministra da Saúde.
O fenómeno não é novo a não ser no facto de vermos representantes corporativos levarem a defesa aos seus ao ponto de protegerem presumíveis criminosos. Já no caso BPN foram muitos os que ilibaram Oliveira E Costa e os seus sócios de organização criminosa e tentaram condenar o Banco de Portugal por falta de controlo. Isto é, a partir de agora todos os criminosos estão perdoados porque se cometeram o crime é porque faltou algo que os tenha impedido. Se um traficante descarregar cocaína numa praia é porque a Guarda Fiscal não estava lá, se um assaltante entrou na minha casa é porque a porta não era blindada e não tinha alarme, se um homicida matar alguém é perdoado porque a vítima poderia tê-lo evitado usando um colete à prova de bala.
Em tempos vi um vídeo real gravado no Brasil onde um ladrão disparou sobre um jovem para lhe roubar os sapatos, nesse momento surge um carro da polícia e os agentes em vez de socorrerem a vítima e prenderem o ladrão limitaram-se a “roubar-lhe” os sapatos que tinha acabado de roubar e foram-se embora. A crer no raciocínio de João Cordeiro e Silva Elias os polícias actuaram bem, a culpa do roubo foi da vítima pois devia ter ido passear descalço e da mesma forma que a ocasião fez o ladrão também é verdade que ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão.
O grande problema da sociedade portuguesa não é nem a crise internacional nem a dívida pública, é a merda de elites que temos e que aos poucos estão transformando um povo que ao longo da história teve dignidade, numa massa amorfa sem princípios.