quinta-feira, janeiro 27, 2011

Prendas


Já aqui escrevi sobre as prendas, não só as que são dadas aos políticos por ocasiões especiais mas a todas as prendas que são oferecidas pelas empresas e contabilizadas como custos a título de marketing e, em consequência disso, suportadas directamente pelos impostos que deixam de ser pagos por essas empresas.

Lembro-me que nos EUA o primeiro chefe de gabinete de Reagan teve de se demitir depois de não ter declarado uma prenda recebida no Japão de valor superior a 50 dólares. Por cá um ex-primeiro-ministro manifestou-se admirado pela dimensão das prendas de Natal que chegavam ao seu gabinete e ainda esta semana Jorge Sampaio veio em defesa de Penedos declarando que as prendas de Natal que chegavam a Belém davam para encher três salas.

Não estamos a falar de trocos, estamos a falar de muitos milhares de euros recebidos por muitos titulares de cargos públicos, desde o Presidente da República ao presidente da junta de freguesia, e não se trata de prendas simbólicas, são bens de luxo e quanto maior for a importância e poder do destinatário maior é o valor das prendas. Presidente, primeiro-ministro, ministros, secretários de Estado, directores-gerais e subdirectores-gerais, directores de serviços, chefes de divisão e quadros superiores responsáveis por dossiers sensíveis, autarcas, gestores públicos, todos e mais alguns recebem prendas na ordem das centenas, milhares ou dezenas de milhares de euros, tudo em nome dos valores da quadra natalícia.

Basta passar algum tempo na entrada de um ministério para assistirmos a um corrupio de estafetas a entregar embrulhos, são uns a seguir aos outros numa grande azáfama. Não vou relacionar este fenómeno com o da corrupção, mas de uma coisa tenho a certeza, é que certamente estas prendas não visam assegurar a honestidade e a independência dos titulares dos cargos públicos. É por isso que em muitas democracias são proibidas ou limitadas.

Proibidas ou não o que considero imoral é que sejam consideradas custos e, por conseguinte, deduzidas dos impostos a pagar pelas empresas ofertantes e da parte de quem as recebe não seja consideradas um rendimento. Não estou a ver o BES oferecer um relógio Swatch ao ministro das Finanças, a EDP a oferecer uma BIC promocional ao secretário de Estado da Energia ou a TMN a oferecer um porta-chaves de latão ao presidente da Autoridade da Concorrência. Não, o que se oferece são relógios Rolex ou Patek Philippe, canetas Montblanc e outros artigos de luxo, desde vinhos com preços absurdos a caviar.

É imoral que num país onde quem ganha o ordenado mínimo que só pode ter um aumento de 10% euros seja sujeito a uma carga fiscal cada vez mais pesada e que um titular de um cargo público receebea milhares de euros em espécie sem que os tenham que declarar e sobre os quais não pagam qualquer imposto ao mesmo tempo que as tais empresas que não suportam aumentos de salários em nome da competitividade paguem menos impostos por conta deste importante esforço publicitários.

Isto poderá não corromper o político A ou B mas corrompe as relações entre eles e as empresas, corrompe os valores de uma sociedade cada vez mais doente, corrompe a confiança na democracia, corrompe a equidade que deve haver na distribuição dos rendimentos, corrompe tudo e todos.

O ideal seria proibir quaisquer prendas acima de um valor simbólico, mas mais do que isso entendo que as prendas devem ser declaradas, tributadas em sede de IRS e não consideradas como custo para efeitos de IRC. Não só devem ser declaradas por quem as recebe para efeitos de IRS como no caso de titulares de cargos públicos os seus montantes e respectivos ofertantes devem ser comunicados ao Tribunal Constitucional para que esta informação conste junto às suas declarações de rendimentos.

É o mínimo que se pode exigir num país onde há gente a passar fome, funcionários a perderem uma parte dos vencimentos, empresas a irem à falência por serem incapazes de concorrer em mercados viciados.