Manuela Ferreira Leite voltou a ser notícia graças à sua
tese da ditadura útil, a economista defendeu e voltou agora a defender que por
causa dos interesses corporativos as reformas só são viáveis em ditadura. O
perigo desta tese está nos pressupostos perigosos que encerra, faz pensar que
as ditaduras surgem para enfrentar grupos corporativos poderosos e que as
reformas só são impossíveis por causa dos grupos corporativos.
A história mostra que nem há ditaduras por seis meses, nem
estas costumam enfrentar grupos corporativos e os grandes beneficiários das
ditaduras são precisamente grupos corporativos. Aliás, Portugal até viveu
décadas sob uma ditadura que designava o regime económico, social e político
imposto aos cidadãos precisamente por corporativismo. Não deixa de ser irónico
que alguém que viveu metade da sua vida no corporativismos venha agora defender
que para enfrentar os grupos corporativos daria jeito uma ditadura.
Fica-se com a impressão de que a democracia é um excelente
regime que se supera se encontrar uma forma de se transformar temporariamente
em ditadura par que se resolvam os problemas cuja solução os cidadãos recusam
se forem chamados a opinar. Segundo esta lógica a melhor forma de não fazer a
vontade às corporações é impedir os eleitores de votar, o que nos leva a supor
que estes votarão onde as corporações assim o entenderem.
Seguindo este raciocínio teremos de concluir que a ditadura
justifica-se quando as corporações se excedem e conduzem o país a uma crise
insuperável, até tal suceder é democraticamente saudável poderem manipular a
democracia em seu favor. O pressuposto deste raciocínio conduz necessariamente
a uma opinião sobre o famoso melhor povo do mundo que não o favorece muito, é
um povo de idiotas.
Coincidência ou não, em Portugal esta ideia das vantagens da
ditadura ditadura é um atributo dos políticos da direita. Toleram a democracia
enquanto ganham eleições e as coisas lhes correm de feição, descobrem as
virtudes da ditadura quando as coisas não correm tão bem. Os mais democratas ou
com mais complexos democráticos imaginam uma solução democrática para
implementar uma ditadura, os mais brutinhos imaginam legiões, tropas e golpes
de Estado, os mais manhosos imaginam chegar ao poder de forma democrática para
depois governar como se estivessem em ditadura.
Parece, portanto, que já lá vão os tempos dos golpes de
estado, dantes impunha-se a vontade à maioria recorrendo à tropa, depois
assegurava-se a continuação no poder comprando uns e amedrontando outros com o
recurso a uma polícia política. Mas como as corporações podem decidir quem
ganha as eleições, algo que ficou claramente demonstrado nas últimas eleições
legislativas, pelo menos paara o assalto ao poder podem dispensar-se as tropas.
Já não é estritamente necessário um golpe de Estado para
assaltar o poder, se a Ongoing, a Covina e a Impresa estiverem de acordo em
torno de um projecto político desejado por um Presidente da República muda-se o
governo enquanto o diabo esfrega o olho. Basta a direita apresentar uma moção
de censura e a crise está instalada, pesaroso o presidente dissolve o
parlamento e jornalistas e comentadores pago à hora ou à peça fazem o resto.
Muda-se de governo sem dar um tirinho.
O problema depois é manter o poder, governar como bem se
entende, conseguir destruir direitos sociais e conquistas civilizacionais de
décadas mantendo o povo caladinho. Também para isso já não são necessárias as
soluções do século passado, há alternativas melhores e mais económicas do que
manter uma PIDE, há formas mais sofisticadas de manter um povo calado porque
está cheio de medo. Agora não se manda a PIDE a casa pela calada da noite,
quando o povo ousa protestar pede-se a um porta-voz da troika que diga a um
jornalista em Bruxelas que se os portugueses não aceitarem uma medida por ser
brutal não verão a cor do dinheiro da próxima tranche.
Será mesmo necessário um golpe de Estado para vivermos na
ditadura que alguns defendem como a melhor solução para os problemas. Se
Salazar nos pudesse ver estaria roendo as unhas de inveja porque aquele a quem
os colegas do governo designam por Salazarinho estar a implementar uma política
bem mais brutal do que a dele sem despesas com PIDES e Legiões. Ainda por cima
tem um primeiro-ministro bem mais imbecil do que o do seu tempo e um Presidente
bem mais ausente do que o Óscar Carmona.