Eu ainda sou do tempo em que o Relvas não tinha condições
para continuar no governo, a coligação já não existia, a Manuela Ferreira Leite
apelava aos deputados do PSD para votarem contra o OE, o Presidente da
República estava preocupado com a capacidade de os mais pobres suportarem o
tratamento de empobrecimento a que o Gaspar os está sujeitando, os empresários
questionavam a competência do governo, o Marcelo dizia que Passos era um
impreparado (uma palavra que lembra invertebrado), todos diziam que o sô Álvaro
era um erro de casting..
O que sucedeu então? Se um cidadão comum tivesse passado de
um estado miserável para o elevado estatuto que toda esta mudança sugere diria
que lhe tinha saído o Euromilhões. É mais ou menos o que deverá ter saído ao
país, a economia já cresce, o ministro das Finanças dispensou os serviços da
troika e a última tranche depois de uma manifestação de investidores
estrangeiros na Wall Street apelando ao regresso de Portugal aos mercados, Passos
Coelho fez um teste ao QI e os psicólogos garantem que o homem de Massamá é,
afinal, um sobredotado, o Álvaro conseguiu provar que a sua lei dos
despedimentos em vez de despedidos fez o milagre de empregar.
Tudo está a correr às mil maravilhas, Cavaco já nem se dá ao
trabalho de falar e opta por se retirar por períodos prolongados para a Quinta
da Coelha onde joga umas partidas de dominó e debate pentelhices políticas com
o seu amigo da EDP e riem-se a comparar os lucros de Catroga na eléctrica com
os de Cavaco na SLN. O país parece ter entrado nos eixos e a coisa está a
correr tão bem que já nem se discutem as decisões do ministro das Finanças, o
homem manda. O Vítor Gaspar tem uma ideia e dois dias depois o Passos confirma
tudo o que o chefe decide.
Vivemos um ambiente de Estado Novo mas numa versão feliz, as
bordoadas policiais são elogiadas pela oposição, os jornalistas já nem receiam
a intromissão policial, até se voluntariam para serem polícias em part time,
filmam duas horas de manifestação, um minuto na condição de jornalistas e o
resto do tempo como polícias.
A verdade é que se não saiu o Euromilhões a Porugal é muito
provável que tenha saído a muito boa gente. Depois das especiarias da Índia,
dos escravos africanos, do ouro do Brasil e dos fundos comunitários e enquanto
os chineses não se empanturram com pastéis de nata da multinacional lusa ou o
sô Álvaro não encontra petróleo em Aljubarrota o país encontrou um novo maná para
as suas elites idiotas, incompetentes, proxenetas e oportunistas, um milagre
digno de um bispo da IURD.
Reduz-se o SNS a pensos rápidos, cobram-se propinas na
primária, despedem-se metade dos funcionários públicos e o país deixa de cobrar
IRC e IRS aos escalões mais elevados, o Estado passa a poder subsidiar os
negócios e vai haver muito mais dinheiro do que nos tempos cavaquistas do Fundo
Social Europeu. Agora é uma questão de enganar a populaça, pedir ao pessoal da
troika para fazerem umas ameaças na comunicação social e arregaçar as mangas
antes que alguém perceba o golpe.
Enfim, vai ser um fartar vilanagem.