Ligo a rádio e ouço um Conselheiro de Estado, homem que
ganha num mês o que muitos portugueses não ganham num ano, defender a refundação
do regime, mas sem algazarra, isto é, para este senhor que acha que a cidadania
varia em função do grau académico (excepto em relação aos Relvas) e qualquer
debate público de uma coisa como o próprio regime é algazarra.
Ligo para a SIC e vejo uma senhora caridosa que está à
frente da maior organização nacional de caridade fazer o elogio da austeridade,
só lhe faltou assegurar que a miséria e a pobreza são forma de lavar os pecados
dos mais pobres. No país onde se defendia o progresso e se elogiavam os
direitos civilizacionais que depois de uma ditadura obtiveram o estatuto de
direitos sociais, defende-se agora as virtudes da miséria, as vantagens da
perda de direitos e a escravidão como modelo social de sucesso.
Leio os jornais e fico a saber que os ilustres e meritíssimos
magistrados poderão continuar a viajar à borla nos transportes públicos, apesar
de o OE prever o fim dessa prerrogativa medieval a ministro pediu um chiu aos
magistrados, que pela calada da noite retiraria essa medida de austeridade. O
homem que acha que os portugueses são cigarras foi pelo mesmo caminho, num
tempo em que os polícias e os magistrados são mais necessários do que nunca há
que dar umas gorjetas a essa gente não vá o regime precisar.
Enquanto por cá julgam que conseguem evitar revoluções dando
passes de transportes à borla para polícias e juízes, são os responsáveis do
FMI que alertam para os riscos de uma política sem resultados e sem
justificação. Por cá o ministro chama gandulos aos portugueses e assegurar que
há dinheiro para balas e cassetetes, os responsáveis do FMI alertam para a
insustentabilidade social e política da política que está sendo seguida. É caso
para dizer que o mundo está ao contrário.
Se os rapazolas liberais aplicassem os principio
marginalistas com que explicam todos os fenómenos económicos à situação social
do país perceberiam que estão empurrando este para uma revolução. Da mesma
forma que se explicam os juros também se pode explicar uma revolução com base
na teoria marginalista, mais tiro menos tiro, quando um pobre faz uma revolução
é porque tem mais a ganhar com a revolução do que com o capitalismo.
Se um pobre não tem dinheiro para alimentar os filhos, se não
tem emprego, se perde todos os direitos sociais ou segue o pensamento da
senhora Jonet e aceita as suas privações como penitência por ter comido umas
bifanas a mais ou conclui que entre morrer de doença e morrer vítima da
repressão é preferível a segunda hipótese e promover uma revolução. Este é um
raciocínio tão simples como aquele que os marginalistas usam, por exemplo, para
justificar a poupança.
Vítor Gaspar e outros
membros deste governo acham que basta reforçar as medidas de segurança nos seus
gabinetes, dar uns passes à borla e aumentar o orçamento das polícias para
poder transformar um país onde haviam direitos sociais num modelo de
capitalismo sem direitos e onde um governo pode decidir que dois terços ficam
mais pobres para que um terço possa transferir os seus capitais para off shores
asiáticas.
Esta gente ainda não percebeu e é burra demais para virem a
perceber que contra cem ou duzentos mil manifestantes não há polícia que chegue
e que na hora de ser dada ordem para abrir fogo é mais provável que a polícia
mude de campo. Esta gente ainda não percebeu que está no século XXI e não no
século XIX quando as revoluções eram reprimidas a tiro. Esta gente ainda não
percebeu que está a conduzir o país para uma revolução. É caso para perguntar como Scolari: e o burro sou eu?