No passado ser médico significava ascender a um elevado estatuto social e a uma carreira remunerada muito acima da média. Ia para médico quem tinha posses, ficava rico quem ia para médico. Até ao 25 de Abril a realidade foi esta, a partir daquela data, com o mais fácil acesso ao ensino universitário aumentou o número de estudantes de medicina e o número de médicos.
Enquanto estudante vivi Numa residência universitária dos serviços sociais da então Universidade de Lisboa, a Residência Ribeiro Santos. A maioria dos residentes eram estudantes de medicina, muitos dentes vindos de famílias que dez anos antes nunca imaginariam ter um filho naquele curso. Entretanto, foi criado o Sistema Nacional de Saúde e muitos dos médicos formados desde então são funcionários públicos.
Acontece que ser funcionário público significa viver na ex-URSS, em tudo o país é capitalista, mas os funcionários públicos são tratados como se ainda vivêssemos na URSS, são todos iguais, ganham todos mal, têm o dever de servir o país sem olhar a rendimentos ou horários, são os primeiros a perder rendimentos nas horas das dificuldades e estão obrigados a ter os deveres de todos mais os que são específicos da sua condição.
No Estado o primeiro tenente, o piloto da Força Aérea, o magistrado, o cirurgião, o subcomissário, o economista, o engenheiro ou o professor de religião e moral são todos iguais, nalguns casos há pequenas diferenças de estatuto, mas ganham todos mais ou menos segundo a mesma bitola. Passos Coelho imaginou que poderia fazer com os funcionários o mesmo que fez o inglês com o burro, foi-lhes cortando na ração na esperança de sobreviverem quase sem salário.
Hoje qualquer taberneiro ganha mais do que um jovem médico especialista e estas ainda têm de sujeitar a uma colocação onde há viga, se não tiver de emigrar. Com a crise assistiu-se à proletarização dos médicos e se no passado um médico era alguém com um estatuto remuneratório elevado, hoje está um pouco cima das empregadas domésticas e muito abaixo do merceeiro da esquina.
É bom que se faça uma reflexão sobre a carreira médica e a forma como o SNS trata estes profissionais pois sem médicos competentes o sistema acabará por ruir. O sucesso dos ministros da Saúde não pode depender da sua capacidade para conseguirem manter este processo de proletarização dos médicos.