Durante anos sempre que se discutia a relação das estradas com as florestas o que estava em causa era proteger estas dos carros e dos condutores, quando se defendia uma zona de segurança, falava-se da limpeza do mato por causa do risco de os carros ou dos seus condutores provocarem incêndios. O receito não era que os incêndios queimassem os condutores, mas sim que os condutores queimassem as florestas.
Falava-se da necessidade de limpar o mato mas pouco de evitar a plantação de árvores junto das bermas das estradas, ninguém questionava se as boas sombras eram de carvalhos, pinheiros ou eucaliptos. Nunca ninguém questionou os abusos dos proprietários dos terrenos, que plantaram eucaliptos quase até ao alcatrão e em todo o país há milhares de quilómetros de troços em que as copas das árvores quase se unem por cima das estradas.
Nas autoestradas e itinerários principais cumpre-se a lei, mas nas estradas nacionais e municipais vale de tudo. Durante muitos anos as árvores na beira das estradas portuguesas foram uma boa receita da Junta Autónoma das Estradas, não admirando que nessas estradas ninguém respeite a lei. Há multas e autoridades para as aplicar, mas ninguém aplica a lei, é a corrida coletiva ao El Dorado do eucalipto como o foi do pinheiro ou de qualquer outra espécie florestal que dê dinheiro fácil, uma verdadeira febre do ouro nacional.
Agora o país percebeu da pior forma que as estradas não matam apenas com acidentes de automóvel ou que são perigosas apenas quando o seu mau desenho ou conservação povoam esses acidentes. O país viu que as estradas também podiam transformar-se em infernos e que em vez de serem os condutores a matar a floresta, ser a florestas a matar quem está na estrada.
Mas estabelecer uma zona de segurança dos dois lados das bermas de todas as estradas municipais ou nacionais significa cortar muitas dezenas de hectares de eucaliptos, sobreiros, pinheiros ou de outras árvores. Num país onde com frequência se mata por causa de um caminho, de um poço ou de uma oliveira, onde a posse da terra que é propriedade ancestral da família justifica a morte do vizinho, este é um problema quase sem solução.
Os portugueses têm uma relação difícil com a propriedade fundiária, que é muito mais do que um bem económico, há uma relação psicológica que leva a que ninguém abdique de um metro quadrado de terrenos, impossibilitando qualquer reforma das florestas ou grandes progressos na agricultura. O emparcelamento é impossível e há centenas de milhares de hectares de floresta cujo cadastro está desatualizado há várias gerações.
A nossa propriedade fundiária e a mentalidade de uma boa parte do nosso mundo rural é quase medieval e muitos dos que são vítimas dos incêndios, os proprietários de milhares de pequenas courelas, são também os grandes responsáveis por esses incêndios.