Se Sócrates soubesse que o saldo da balança comercial não depende apenas das exportações, mas também das importações, para além de fazer longas viagens ao estrangeiro com rebanhos de empresários à espera da ajuda estatal, faria umas viagens aqui mais perto, ao interior do país, onde muito do que é importado se poderia produzir no país.
Quando uma boa parte dos bens alimentares que consumimos são importados a promoção da produção agrícola, para além de todos os benefícios sociológicos e ambientais permitiria substituir uma boa parte das importações e promover a criação de emprego com custos de investimentos mais baixos. Aqui ao lado, em Espanha, foram criados 21.900 empregos em 2009 e a ocupação dos terrenos aumentou 2,8% face a 2009 e só nos últimos três meses de 2010 foram criados mais de 5.050 empregos, um crescimento de 6,7% face ao último trimestre de 2009. Por cá o país perdeu agricultores nos primeiros nove meses de 2010, essa redução continuou tal como também sucedeu com a ocupação dos solos (Expresso).
O mundo caminha a passo acelerado para uma crise alimentar e desde 2008 os sinais disso são evidentes, com os preços das matérias-primas a subirem exponencialmente. A procura de bens alimentares em países como a China, a Índia, o Brasil ou a Rússia tem vindo a aumentar e tal tendência persistirá no futuro, ao mesmo tempo que a utilização de terrenos de cultivo para a produção de bio-combustível e a reforma da PAC na Europa são factores que reduzem a oferta. A prazo países que eram exportadores poderão deixar do o ser e um bom exemplo disso foi o que sucedeu com a suspensão da exportações de carnes na Argentina.
Não admira que cada vez mais vejamos nas televisões campanhas publicitárias dos grandes distribuidores a promoverem a imagem de associação aos agricultores, como é o caso do Pingo Doce ou mesmo da Compal. Para além da imagem simpática que passam é evidente a preocupação crescente de algumas redes de distribuição com a segurança dos abastecimentos a preços razoáveis. Dificilmente essa segurança estará assegurada no futuro e há muito que a Europa tem vindo a reduzir os stocks de produtos alimentares em resultado das alterações e desmantelamento dos regimes de intervenção. Onde havia excedentes, como, no sector do açúcar, começam a surgir sinais de escassez e, pior ainda, esses sinais de escassez são também evidente no mercado mundial.
Não é só no sector da energia que Portugal depende do exterior, neste momento o peso das energias renováveis, designadamente, da energia das hidroeléctricas tem um peso maior no consumo energético do que muito provavelmente a produção agrícola nacional tem no consumo de bem alimentares e matérias-primas agrícolas. Recorde-se que muitos produtos industriais usam matérias-primas agrícolas, desde as camisas em cuja produção se usam fécula e amido modificados à produção de antibióticos onde a multiplicação dos fungos é alimentada por amidos.
Se num cenário de curto prazo a questão da produção agrícola pode ser analisada apenas na perspectiva da balança comercial a médio e longo prazo está em causa um problema tão complexo como o acesso ao abastecimento de combustíveis. Assim, não se compreendo como as energias são a prioridade das prioridades ao mesmo tempo que prossegue o abandono da agricultura com a transformação de alguns dos nossos melhores terrenos agrícola em condomínios de luxo, campos de golfe ou mesmo olivais para abastecer o sector do azeite em Espanha. Não se compreende como se gastam milhões em energias renováveis, com o OE a suportar uma despesa da ordem de mil milhões anuais e não se investe um único tostão na produção agrícola. Isto começa a deixar de ser apenas preocupante, começa a ser criminoso.