Antes do discurso da tanga adoptado mais tarde com a chancela de António Borges e a aprovação de Cavaco Silva a então líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, foi ao congresso da consagração defender que o dinheiro que iria ser gasto nas obras públicas deveria ser investido em apoios sociais. As questões sociais estavam na moda e vieram a servir de desculpa para o aumento exponencial do défice orçamental que mesmo assim não satisfez a oposição que exigia mais apoios sociais. Mais tarde viemos a saber que 80% da despesa relacionada com o combate à crise foi para o sector financeiro e que apenas uma pequena parte foi para combater a pobreza.
Depois o discurso mudou radicalmente e as preocupações sociais deixaram de estar na moda, agora a moda é retirar apoios sociais e se dantes a oposição nunca estava satisfeita com o aumento desses apoios, agora acha os cortes sempre insuficientes. Se os ministros dizem mata, o Pedro Passos Coelho diz esfola, se Sócrates cortou nos vencimentos e aumentou os impostos o líder do PSD encomenda a José Manuel Fernandes o serviço de ir às suas jornadas parlamentares propor o despedimento de funcionários públicos.
Quando a crise financeira era nos EUA todos os nossos políticos verteram lágrimas de crocodilo por causa dos pobrezinhos, agora adoptam-se ou propõem-se medidas à dúzia sem questionar o seu impacto social. Até ficamos com a sensação de que os culpados de todos os males do país são os que trabalham, por ganharem demais ou terem demasiada estabilidade nos empregos, ou dos mais pobres porque só sobrevivem com apoios sociais que nos obriga a recorrer a empréstimos externos.
Discute-se se o FMI deve vir ou não vir mas sempre na perspectiva do financiamento da banca e de outros interesses, mas ainda não ouvi uma única voz questionar as medidas que constariam num acordo com o FMI na perspectiva social. A economia deixou de ser considerada na perspectiva dos interesses de todos os portugueses mas sim unicamente na dos interesses empresarias, no pressuposto de que se as empresas e a banca estiverem felizes os portugueses também estarão porque terão mais emprego. Só que ao mesmo tempo que se multiplicam as medidas para conforto das empresas são adoptadas outras para restringir os benefícios sociais da recuperação económica.
Esta total indiferença social conduzirá a uma situação em que quando a economia recuperar terá como resultado maiores assimetrias na distribuição do rendimento e mais exclusão social. A par disso diz-se que se defende o estado social o que significa que os mais desprotegidos podem estar desempregados, ver os filhos sem futuro e passar fome não devem ficar preocupados, quando estiverem doentes podem ir à internet e com o número de cartão do cidadão poderão marcar uma consulta no SNS para tratar das suas mazelas.
Isto é possível porque os senhores deste mundo perderam o medo e com isso estão a perder a vergonha, já não há o medo de revoluções e dos mísseis russos, a situação do mundo é tão caricata que o ministro das Finanças vai à capital do único país comunista do mundo pedir ao secretário-geral do PC chinês que o ajude comprando dívida pública, aliá, já em tempos um ministro lá foi sugerindo-lhes que investissem em Portugal onde poderiam beneficiar de uma mão de obra barata e dócil.
Duvido que governantes e partidos da oposição ponham termo a esta espiral de desprezo pelas condições de vida dos portugueses e só o venham a fazer quando for tarde, quando começarem a ver as montras das lojas de luxo da Av. aa Liberdade a serem destruídas ou as sedes dos grandes bancos a serem invadidas por gente sem esperança no futuro. Nessa altura os nossos banqueiros e empresários perceberão que a riqueza do mundo é para distribuir e há limites para a pouca vergonha.
E é uma pouca vergonha que a dívida pública tenha servido para enriquecimento de uns quantos, grandes empresários, banqueiros e empresas de obras públicas, e sejam os que menos ganham, os que estão a ver os seus direitos a serem eliminados a terem de suportar com impostos e cortes sucessivos do rendimento para que os outros entrem num novo ciclo de enriquecimento fácil.
Aquilo a que estamos a assistir é uma orgia de indiferença total pelos que trabalham. Como sempre sucedeu na história da Europa isto vai acabar mal.