Ao contrário do que sucede em muitas democracias em Portugal nunca houve uma cultura de preocupação com a forma como se gasta o dinheiro dos contribuintes, nem estes se manifestaram preocupados com a forma como vão ser gastos os seus impostos.
A lógica dos portugueses é pagar o menos possível de impostos e exigir que o Estado pague as despesas que não considerando suas devem ser tratadas como despesas sociais. Enquanto o modelo não falhou os portugueses consideravam que ser vítimas de um aumento de impostos é um azar, muitos deles encaram esse facto como a queda de um vaso de um primeiro andar, cai sempre em cima da cabeça dos outros. Foi essa a atitude generalizada dos portugueses em relação ao corte dos vencimentos dos funcionários públicos, enquanto o corte for no vencimento dos outros está tudo bem.
Se um português compra um bife de vitela não discute o preço porque considera que o deve pagar, mas se considerar o preço do pão ou do leite elevado queixa-se do Estado, deve ser este a suportar parte do preço ou a aliviar os impostos de forma a compensar o preço das matérias primas. Se usar o carro para ir para o emprego não lhe passa pela cabeça pedir ao Estado que comparticipe na despesa, mas se usar um transporte público considera que deve pagar apenas um preço simbólico, se o preço do combustível aumentar manifesta-se porque acha que o Estado deve diminuir os impostos para que possa continuar a usar o carro.
Em reforço desta opinião a Constituição da República institui um regime de borlas para diversos sectores. Assim, os portugueses protestam por qualquer taxa que lhes seja cobrada em sectores como o ensino ou a saúde, mesmo quando determinados cursos lhes permite o acesso à riqueza sem grandes contrapartidas. Os mesmos que consideram um escândalo pagar propinas aceitam de bom grado pagar uma pequena fortuna por um MBA, na condição de que este os coloque em vantagem em relação aos que não o podem pagar. Aceitam ir gastar uma fortuna para tirar o curso de medicina na República Checa ou em Espanha porque os rendimentos gerados depois do curso são largamente compensadores, mas se tiverem que pagar propinas num curso de medicina em Portugal Cai o Carmo e a Trindade.
Na cultura dos portugueses a despesa pública é feita com dinheiro macaco, dinheiro que pouco nos custou porque ou os impostos não são altos, ou, mais simplesmente, não os pagam. Esta cultura foi favorecida porque ficamos com a sensação de pagamos muito menos do que no dia a dia recebemos do Estado e é verdade. Só que isso só é possível graças à carga fiscal que incide sobre as empresas e, pior ainda, pelo recurso sistemático e contínuo ao endividamento externo.
Agora vamos ter de pagar a factura desta irresponsabilidade social colectiva, não só vamos ter de pagar com juros elevados tudo o que pensáramos que era à borla como vamos ter de suportar os custos reais daquilo que estamos habituados a receber do Estado. E aí descobrimos que estamos a pagar os transporte público do vizinho, pagamos a cirurgia do pequeno empresários que vende sem factura, pagamos o curso do filho do amigo que depois de estudar medicina cobra fortunas por cada cirurgia que faz num hospital privado.
De repente os portugueses descobrem que afinal não havia dinheiro macaco e que deveriam ter sido mais exigentes para com o Estado, para com os políticos e para com eles próprios.