Anda no ar a tese de que a dívida soberana cresceu exponencialmente nos últimos anos, obra de Guterres e de José Sócrates, tese que já teve várias versões ao longo dos últimos anos. Não me recordo, por exemplo, de ter ouvido um líder da oposição ser contra um orçamento por ter um défice excessivo, antes pelo contrário, as críticas foram sempre no sentido de criticar os orçamentos por não estimularem o crescimento económico. Nem mesmo quando em ano de crise, com a Europa a liberalizar de forma irresponsável os constrangimentos ao défice público e a Alemanha a apelar aos parceiros para estimularem o crescimento, se ouviram críticas ao défice excessivo.
Mesmo quando Ferreira Leite questionou as grandes obras públicas no congresso do PSD que se seguiu à sua eleições não dizia que não havia dinheiro, defendia isso sim que o dinheiro devia destinar-se a combater a pobreza, um argumento que Passos Coelho também já usa, agora que desce nas sondagens. Mesmo nesta legislatura todos os boicotes promovidos pelo PSD, em aliança com a extrema-esquerda, sempre tiveram como consequência o aumento da despesa.
É verdade que Sócrates prometeu grandes obras públicas, mas pelas mais diversas razões estas não foram realizadas. Além disso é bom recordar que o projecto TGV adoptado por Sócrates tinha menos linhas do que o decidido por Durão Barroso e quanto ao novo aeroporto a batalha do PSD foi sempre pela mudança da localização e não pela sua não construção.
Como a tese da responsabilidade de Sócrates tem falhas, até porque foi o único governo em mais de trinta anos que atacou problemas como os regimes de pensões, a duplicação de sistemas de saúde e outros cancros da despesa pública, a direita recua no tempo para envolver a responsabilidade de António Guterres e, ao mesmo tempo, avança no tempo, para encontrar esqueletos no armário, as famosas parcerias e a dívida das empresas públicas. A verdade é que não é por causa das PPP que o FMI está cá e quanto às empresas públicas só são tema porque o PSD quer extingui-las.
Estamos todos esquecidos de que foi com o governo de António Guterres que Portugal entrou para o Euro e para isso foi necessário assegurar três condições: assegurar a compatibilidade do estatuto do BdP (razão porque na ocasião a Suécia ficou de fora), reduzir um défice abaixo de um determinado nível e fazer baixar a dívida pública abaixo de uma determinada percentagem do PIB. E foi António Guterres com Sousa Franco como ministro das Finanças que o conseguiu, e conseguiu-o contra todas as previsões pois foi necessário um grande esforço já que a situação deixada por Cavaco não era brilhante.
Os governos de Sócrates e de Guterres aumentaram o número de funcionários? Quanto a Sócrates todos sabem que é mentira e em relação a Guterres é bom recordar que muitos dos funcionários integrados na Função Pública eram trabalhadores que já lá estavam com contratos precários há mais de dez anos. Não me recordo de na ocasião o PSD ser contra, ou de Cavaco ter escrito algum artigo.
A dívida soberana, algo que nunca preocupou a direita ao longo de mais de trinta anos é um dos maiores problemas da economia portuguesa, a par do défice comercial, merece ser discutido mas deve ser feito com seriedade e por quem sabe do problema. Mas isso agora pouco importa, está cá o FMI e já não precisamos nem das tiradas de Ferreira Leite, nem dos artigos de Cavaco Silva, nem dos bitaites de Passos Coelho.