Dizem que pareço um ladrão,
Mas há muitos que eu conheço.
Que, não parecendo o que são.
São aquilo que eu pareço. António Aleixo
Criou-se em Portugal a ideia de que qualquer pensão de reforma de montante elevado é uma reforma milionária, os nossos jornalistas até esperam ansiosamente a publicação das listas da Caixa Geral de Aposentações para denunciarem mais umas quantas reformas “milionárias”. Todavia, nunca vi uma lista das reformas dos bancos e das grandes empresas, ou mesmo do Banco de Portugal. Gostaria, por exemplo, de saber qual a reforma de Bagão Félix que foi negociada quase em simultâneo com o convite para ser ministro do Trabalho.
Mas os jornalistas que denunciam as reformas supostamente milionárias nunca nos dão os dados relativos à carreira contributiva dos beneficiários. Conheço alguns “milionários” que foram médicos desde os vinte e cinco aos setenta anos, muitos altos quadros da Administração pública que só se aposentaram quando atingiram o limite de idade (setenta anos), ou magistrados que se reformaram com a mesma idade. Confundir um destes aposentados com os que há uns anos atrás se aposentaram com cinquenta anos é uma mentira.
Reformas milionárias são, por exemplo, as reformas dos ex-governadores do Banco de Portugal que as recebem desde o momento em que abandonaram o cargo onde por vezes nem estiveram muito tempo. Não é a reforma de quatro mil euros de um funcionário que descontou até aos sessenta e cinco ou até aos setenta anos que é milionária, uma reforma milionária e, pior ainda do milionária, oportunista e abusiva é a que Luís Campos e Cunha recebe desde que deixou de ser vice-governador do Banco de Portugal e que é de oito mil euros, mais do que recebia quando era ministro ou do que aquilo que recebe um Presidente da República.
Mas não são apenas as reformas elevadas que poderão ser milionárias, se alguém trabalhou durante toda a vida em esquemas e depois recebe uma pensão de sobrevivência de trezentos ou quatrocentos euros também recebe uma reforma milionária. E nesta situação estão dezenas de milhares de portugueses que muitas vezes são tratados como vítimas.
De qualquer das formas, os últimos governos corrigiram esta situação e neste momento é impossível alguém aposentar-se aos cinquenta anos beneficiando de leis de que Cavaco Silva foi o pai ou receber mais de pensão do que recebia quando trabalhava. Apesar da oposição de muitos dos que agora falam contra as reformas milionárias e dos muitos votos que isso custou ao governo, a verdade é que foi posto um travão à situação que vigorava.
Falar de reformas milionárias para justificar a privatização da segurança social é uma mentira, o que Pedro Passos Coelho propõe nada tem que ver com as injustiças do passado e muito menos com a sua correcção, aliás, quando chumbou o PEC usou as pensões como argumento, isto é, o mesmo que achou justo um corte no vencimento foi contra um corte nas pensões milionárias de que agora se queixa.
O que Passos Coelho propõe efectivamente é que os funcionários públicos melhor remunerados descontem apenas sobre parte do seu vencimento, a parte que permite atingir o montante de reforma que ele propõe de forma populista como limite máximo. Ora, isso não impede que o funcionário que ganha acima desse montante venha a ter uma pensão elevada, basta que desconte o montante remanescente num esquema privado e é precisamente isso que Passos Coelho pretende, desnatar a segurança social e enriquecer quem o "convenceu" desta solução
Ao invocar as pensões baixas para justificar o sistema público e ao usar as elevadas para falar de uma suposta injustiça Pedro Passos Coelho está usando a vaga de populismo para fazer passar uma mentira, a de que vai cortar nas pensões e poupar o Estado. É mentira, o que mais pesa nas contas dos contribuintes são as reformas concedidas abusivamente no passado e as pensões atribuídas a quem não descontou. Isto não é falar verdade, é não apresentar claramente as suas propostas, iludindo os eleitores com meias verdades ou mesmo mentiras.
O país deveria repor justiça no passado e da mesma forma que corrige as reformas futuras limitando-as (muito bem) às carreiras contributivas, deveria também ter a coragem de fazer o mesmo em relação às reformas concedidas no passado e que hoje já estão a ser pagas pelos que trabalham e que estão sujeitos a cortes de vencimentos e não sabem qual vai ser o seu futuro. É esta a coragem que falta ao país, da mesma forma que falta a coragem de suspender as reformas oportunistas como a que Luís Campos e Cunha recebe graças a uma situação de oportunismo criada no passado. Como é possível que este senhor ainda tenha coragem de opinar em público sobre os problemas do país quando recebe desde os quarenta e nove anos de idade uma reforma de 8.000 euros depois de ter descontado apenas durante os seis anos que esteve no BdP? O mesmo se pode dizer de Bagão Félix que além da reforma do BCP negociada com um convite para ministro no bolso também beneficia de uma reforma do BdP!
É uma vergonha tratar um funcionário que se reforma aos setenta anos com quatro ou cinco mil euros como se fosse um bandido, quando anta por aí tanto bandido emproado, com altos cargos no Estado, a escrever em jornais de referência, quando as suas contas bancárias foram conseguidas à custa da delapidação da riqueza do país.