Neste tempo de todas as crises, crise de dinheiro, crise de competitividade, crise de dignidade, crise de coerência, crise de valores, crise de orgulho nacional, crise institucional, apetece-me perguntar se vão reabrir a velha maternidade de Elvas. As vantagens são muitas, a cidade tem mais um serviço, útil num tempo em que se fala em “fechar” municípios, os portugueses deixam de ser espanhóis disfarçados, tudo fica mais barato e as mães não só têm de atravessar a rua para poderem parir.
Faço esta pergunta porque esta foi uma das muitas lutas emblemáticas dos últimos anos, mas poderia perguntar se vão recolher os Magalhães e vendê-los em segunda-mão em África, reabrir os velhos centros de saúde por cuja manutenção se bateram muitas manifestações populares, reabrir as escolinhas com meia-dúzia de alunos, criar SCUTS onde estas são reivindicadas por autarcas, regressar ao tempo em que não havia avaliação nas escolas e estas eram geridas por conselhos directivos “democraticamente” eleitos.
Em trinta anos de democracia só em dois pequenos períodos este país governou adoptando medidas consideradas necessárias e todos se calaram, bem, não foram todos, os irredutíveis do PCP sempre pensaram que era possível recorrer à alquimia e transformar o granito da Serra da Estrela para financiar o paraíso terrestre que sempre prometeram. Por duas vezes o FMI veio pôr ordem na casa, acordaram-nos do sonho e explicaram-nos que a realidade é um pesadelo. O mesmo vai voltar a suceder.
Se o FMI mandar fechar maternidades inúteis serão fechadas, se mandarem os trabalhadores do METRO deixar de fazerem greve dia sim, dia não estes trabalham, se exigir avaliação dos professores estes serão avaliados, se exigir a extinção de municípios estes serão extintos, se impuserem o fim das SCUT os autarcas meterão o rabo entre as pernas. O Mário Nogueira não vai organizar manifestações espontâneas para chamar nomes aos homens da troika e ainda lhes vai servir o chazinho na reunião com a CGTP, a av 24 de Julho não vai ficar atulhada de autocarros das câmaras municipais que carregaram os manifestantes que vieram a Lisboa convocados pela CGTP.
Falavam em asfixia democrática mas agora até descobriram que um governo em gestão podia negociar um acordo em que nem os limites constitucionais serão considerados, criticavam todos os orçamentos por não promoverem o crescimento mas agora aceitam as vantagens da recessão, defendiam a desbunda municipal com o argumento da proximidade das populações mas agora descobrem que há municípios a mais. Isto é, tudo o que os governos faziam estava mal, mas tudo o que a troika decidir é para engolir como se fosse uma aspirina.
A reforma da saúde ia no bom caminho mas não se podia fechar um serviço, a avaliação era necessária mas tinha muita burocracia, a reforma da segurança social foi positiva mas insuficiente, nada estava bem porque ao mau cagador até as calças empatam. Agora vêm cá quatro fulanos que ninguém conhece, reúnem com meia dúzia de poderosos do governo, das empresas e dos sindicatos e decidem o que bem entendem.
Parece que o lema de muitos dos nossos políticos é antes governar a mando do FMI e sem perguntar a vontade dos portugueses do que ser oposição construtiva. Até aqui o lema era mandar tudo abaixo, agora vai ser fazer tudo o que eles mandam.