Todos os grupos que fortes laços de solidariedade entre os seus membros tendem a que esses mesmos laços perdurem para além do contexto do funcionamento dos grupos. Isso acontece com a maçonaria ou com a Opus Dei, mas também sucede com outro tipos de laços de solidariedade como sejam os criados entre adeptos de um clube de futebol ou entre grupos que não partilham a orientação sexual dominante, da mesma forma que sucede entre grupos étnicos ou religiosos. A regra desta solidariedade não expressa é a de que cada uma defende os seus e no centro desta cultura está a família, a mais blindada e secreta organização humana no âmbito da qual também se produz muita corrupção e tráfico de influência.
Alguém se lembrará de exigir que os funcionários públicos têm laços familiares com algum corrupto preso? Dir-me-ão que não, que tal coisa não fará sentido, mas a verdade é que já vi muitos funcionários exemplares serem penalizados porque algum familiar caiu em desgraça.
Alguém se lembrará de exigir aos empresários ou aos políticos que declarem publicamente orientação sexual? Diriam logo que se trata de homofobia. Mas conheço o caso de uma empresa que em tempos era presidida por alguém para quem a horientação sexual servia para bater a concorrência ou como critério de selecção dos quadros da empresa. Ninguém tem dúvidas de se o presidente de um júri de selecção for um gay heterofóbico tenderá a preferir a selecção de gays da mesma forma que um heterossexual homofóbico tenderá a excluir os gays.
Quantos ciganos trabalham nas caixas registadoras das grandes superfícies? Aposto que se for feito um estudo se concluirá que serão muito menos do que o peso dessa etnia na sociedade portuguesa e não me admiraria mesmo nada se não houvesse nenhum ou que se houvesse algum tivesse iludido os contratantes.
Assim sendo todos os motivos que levam um qualquer grupo a estabelecer laços de solidariedade no seu interior que passando para o exterior pudessem influenciar negócios destorcendo a concorrência ou decisões políticas deveriam ser alvo de uma declaração de interesses. Por exemplo, a Opus Dei exige dos seus membros a realização de trabalho evangélico, nestas condições é legítimo aceitar que um ministro como o da Saúde possa pertencer àquela prelatura? Como se sabe a medicina é um domínio onde há clivagens de raiz religiosa e depois não saberemos se o dr. Macedo quer retirar as comparticipações nas pílulas por questões de natureza orçamental ou de ordem religiosa.
Aquilo que por aí se vai ouvindo sobre a possibilidade dos membros de maçonaria que exerçam funções públicas serem obrigados a declarar pertencerem àquela organização é mais uma daquelas paranóias persecutórias que de vez em quando varrem o nosso país. Se um grupo de gays se reunisse para práticas corruptas é certo que assistiríamos a uma vaga de homofobia e a uma verdadeira batida nacional contra o gay no armário.
Fala-se muito da tolerância dos portugueses e talvez seja verdade, mas a história mostra-nos que em momentos de desorientação colectiva caímos na tentação da perseguição colectiva, em 1506 foram os judeus as vítimas da seca, da fome e da peste, agora são os maçons os culpados da corrupção que desde que um conhecido senhor foi primeiro-ministro se instalou no país.