Talvez mais por força da instituição que representa do que por vocação pessoal o Presidente da República continua a ter um discurso que pressupõe a unidade dos portugueses, a fazer propostas no pressuposto de que os portugueses actuam enquanto todo, enquanto Nação:
«Temos de mobilizar empresários e trabalhadores para o aproveitamento das oportunidades de investimento e para o aumento da produção de bens e serviços que concorrem com a produção estrangeira, a principal alavanca do crescimento de que o País dispõe neste momento.» [Mensagem de Ano Novo]
Cavaco tem razão ao pensar que sem a mobilização colectiva de um povo dificilmente o país sairá da situação em que está. Só que nem o próprio Cavaco Silva tem autoridade moral para agora fazer apelos destes, como o país tem um governo que assenta as suas políticas na divisão entre os portugueses, que elege os alvos das suas medidas brutais em função de ódios mesquinhos ou de critérios eleitoralistas.
Como se pode unir um povo quando o primeiro-ministro recorre à mentira para achincalhar os funcionários públicos como uns malandros que ganham mais? Como se pode unir um povo quando este é dividido entre ricos e não ricos e os não ricos são, por sua vez divididos entre os que ganham menos de 500 euros e os que ganham mais? Como se pode unir um povo quando o secretário de Estado da Juventude sugere a fronteira aos jovens e o próprio primeiro-ministro aponta a porta de saída aos professores? Como se pode unir um povo que sofre e é atirado para a fome quando se compram os potenciais candidatos à liderança do PSD com mordomias estatais? Como se pode unir um povo quando um ministro dos Assuntos Sociais é transformado em ministro da caridade que anda num Audi de luxo?
Um dos aspectos mais negativos das políticas deste governo é que são sempre concebidas contra uns em apoio de outros, sente-se sempre a mãozinha de algué que acha que se deve dividir para melhor governar. Há sempre uns portugueses que são culpados, outros que são vítimas e são sempre os mesmos a ganhar e a ficar dispensados de se sujeitarem a medidas de austeridade.
Veja-se, por exemplo, a actuação do Álvaro, propõe e tenta impor aos trabalhadores que trabalhem mais meia hora diária sem qualquer remuneração e tenta que a medida seja adoptada sem mostrar o mais pequeno esforço de diálogo ou de concertação. Recorrendo a vários estratagemas este governo tem vindo a desrespeitar direitos constitucionais de uns para favorecimento e enriquecimento de outros.
Como pode agora o Presidente da República que tem estado calado, que parece ignorar a existência de uma Constituição da República, que para ajudar a derrubar um governo ignorou ostensivamente a crise financeira internacional, vir agora pedir aos escravos que se juntem aos esclavagistas em nome de um país que despreza os primeiros e parece ser dos segundos?