sábado, fevereiro 01, 2014

A esquerda e o bem do povo

Hoje refiro-me à esquerda como sendo aquela que tem a mania de se auto-intitular de esquerda, assumindo o papel de Santa Inquisição ideológica para decidir quem é e quem não é de esquerda. Sendo assim o PS está de fora da esquerda, até porque para a esquerda o PS será sempre de direita e pior coisa que lhe poderia suceder era mesmo o PS optar um programa que pudesse ser considerado de esquerda. É mais ou menos o que sucede com a Constituição ou a legislação labora, sempre que são revistas vem aí o fim do mundo da direita para no dia seguinte à aprovação a esquerda chamar a sí a protecção da nova Constituição e da nova legislação laboral, grandes conquistas de Abril.
  
À esquerda não basta ser de esquerda, cada facção da esquerda é melhor do que a outra esquerda, se uma é conservadora a outra é moderna, se uma gosta da China a outra odeia-a, de uma é sectária a outra é dialogante. Mas as facções das esquerdas têm um grande valor em comum, só elas querem o bem do povo, até se pode dizer que uma boa parte das personalidades de esquerda são profissionais do bem do povo, sindicalistas profissionais, deputados da AR, deputados do Parlamento Europeu, autarcas, sindicalistas profissionais ou pagos ao abrigo dos acordos de empresa ou, muito simplesmente, funcionários do partido, são verdadeiros profissionais do bem do povo, todos com notas de excelente para cima nas avaliações do desempenho.
  
O que se entende por bem do povo? Habitualmente o bem do povo foi a última política acusada de direita, tudo o que o PS ou a direita tenha decidido foi mais uma desgraça de direita, que uns tempos depois será intransigentemente defendida pela verdadeira esquerda em nome de Abril. É óbvio que a verdadeira esquerda, que promete sempre uma aliança com o PS se este for de esquerda tem um programa, aliás, tem dois.
  
Tem um programa conjuntural que assente em dois princípios, tudo o que qualquer governo proponha é por definição uma política de esquerda e deve ser rejeitada. O segundo princípio é aquele segundo o qual os recursos são ilimitados, daí que o défice orçamental avantajado seja de esquerda. Tem também um programa a médio prazo que normalmente aparece nas eleições em que se afirma que uma política de esquerda é a melhor para o país, não se diz muito mais porque é quase ofensivo questionar no que consiste a política de esquerda, porque esta são todas as medidas simétricas às dos outros e que trarão riqueza ilimitada ao povo.
  
Há ainda uma política de longo prazo, mas essa não consta de qualquer programa pois só é compreensível pelos seres superiores, uma espécie de duxs da ideologia. O povo está dispensado de a pensar pois se tal política representa o paraíso não faz sentido questioná-la ou anunciá-la, é como os padres que prometem o céu mas, ao contrário dos muçulmanos que oferecem uma catrefa de virgens, nada dizem sobre as benfeitorias que os eleitos vão ter.
  
É por tudo isto que todos os que se sintam incomodados com as políticas de direita devem votar na esquerda, na verdadeira esquerda, uma mais conservadora e com sotaque operário da metalurgia, outra mais moderna e com sotaque operário da Av. de Roma ou do Holmes Place da Av. Defensores de Chaves. Devemos acima de tudo derrubar a falsa esquerda pois é mais fácil impingir o paraíso sem grandes perguntas se for a direita a governar. É por isso que quanto pior estiver o povo melhor se defende e promete o bem do povo.