quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Desvalorização fiscal e/ou desvalorização social

Ainda que o governo tente passar a ideia de que governa à esquerda sendo o CDS a ala liberal de uma ANP social-democrata, a verdade é que as declarações relativas ao excesso da troika, as políticas visando a eliminação de sectores de actividade económica considerados maliciosos, a tão defendida desvalorização fiscal, estão na memória de todos.
  
Mas estas políticas foram tão brutais que não é necessário recorrer à memória para sabermos que aconteceram e continuam a acontecer, quase todos os grupos sociais e profissionais sentiram as suas consequências, a maioria dos portugueses empobreceram a um ritmo forçado e decidido de forma premeditada para que outros mantivessem ou melhorassem os seus níveis de riqueza.
  
Mas se de um ponto de vista económico se pode falar de ajustamento económico ou de desvalorização fiscal forçada, podendo até discutir-se a validade das premissas desta política económica, é numa perspectiva ideológica que esta política deve ser avaliada. A situação financeira do país não foi o objectivo visado por esta política e nesse sentido não é a política económica que deve explicar o que sucedeu aos portugueses, esta política visou alcançar objectivos fundamentados em valores ideológicos extremistas. A crise financeira apenas serviu para baralhar os dados e unir a extrema-esquerda à direita em torno de objectivos de poder comuns, uns ficavam com o governo e outros com mais deputados.
  
Aquilo a que o país assistiu foi a uma desvalorização social de determinadas classes e grupos profissionais. Na Alemanha era os judeus que estavam a mais, no Uganda são os homossexuais, na Ucrânia odeiam os de origem russa e em Portugal os escolhidos foram os pensionistas e os funcionários públicos. O ódio pode ter motivações étnicas, religiosas, sexuais, sociais ou profissionais, em todos os casos os perseguidos são acusados de todos os males.
  
Há décadas que ser funcionário público era estar ao serviço do país, um funcionário público era um servidor do Estado, nunca se ganhou como se diz e era-se mal mal remunerado do que no sector privado, em compensação tinha-se mais estabilidade e algumas pequenas. Ser funcionário público nunca foi sinal de riqueza e há meia-dúzia de anos era notícia que no Algarve os professores eram conhecidos pelos meia-doses. O Estado era um centro de competência e ainda hoje muitas empresas vão ao Estado recrutar alguns dos seus melhores quadros.
  
Mas alguns imbecis armados em liberais acharam que estava na hora de dar consistência a ideologias de discoteca e lançaram e acusaram os funcionários públicos de serem acusados da crise, porque os funcionários públicos não são nem profissionais, nem portugueses e muito menos cidadãos, são muito simplesmente despesa inútil. E tal como outros foram acusados de responsáveis das crises por esse mundo fora, por cá foram os funcionários.
  
Com este pressuposto passou a avaliar-se cada grupo profissional ou social em função da sua utilidade económica. Depressa se descobriu que os pensionistas também só dão despesa e decidiu-se criar mais um símbolo para estes usarem no braço. A seguir vieram os cafés e restaurantes porque não produzem bens transaccionáveis ou a construção civil porque alimenta o excesso de despesa e de consumismo.
  
O país está sendo sujeito a uma reformatação social que assenta na transformação de cidadãos até há pouco tempo respeitados em cidadãos de segunda, os mais idosos que eram considerados passaram a ser tratados por parasitas inúteis. Em condições normais isto poderia ser conseguido com campos de concentração e polícia, mas graças à troika do Durão Barroso e de outros políticos de nível duvidoso foi maios fácil e tem-se conseguido em democracia. Mas não é a primeira vez que a democracia conduziu a situações destas.