Portugal entrou para aquilo a que eufemisticamente designam por programa de ajustamento com muito menos dívida, com muito menos desempregados, com mais empresas viáveis, com uma economia mais optismista, com menos investigação científica, com um fardo financeiro mais pesado para a segurança social, com mais quadros qualificados, em suma, com uma melhor situação do que a encenação económica com que se pretende sair do programa com uma saída dita limpa. Se esta saída saída se pode designar por limpa, o mínimo que se pode dizer da entrada é que foi suja e tudo aponta para que tenha sido bem mais suja do que parece.
Não deixa de ser irónico que agora que a dívida soberana portuguesa é lixo se fale em saída limpa. Até apetece perguntar, por exemplo, qual seria o discurso de Cavaco Silva se o primeiro-ministro ainda fosse primeiro-ministro? As suas opiniões seriam dignas de serem aqui reproduzidas, imagine-se só se a EDP tivesse sido vendida aos Chineses e o cargo do Catroga fosse desempenhado por António Vitorino. Mas tudo mudou, agora a nossa economia é democratizada pelas aquisições de empresas portuguesas pelo Partido Comunista da China que designa o camarada Pintelhos para um alto cargo e já não importa de onde vem o dinheiro a 5%.
O curioso disto tudo é que na mesma semana em que o governo vai ao mercado comprar dinheiro a 5% para financiar 2014 e 2015 o FMI empresta quase mil milhões para pagar as despesas de 2013 e aproveita para perguntar o que é feito da reforma do Estado que permitirá um défice mais reduzido em 2014 e 2015. Mas tirando o défice muito superior ao combinado, um crescimento de 0,1%, o desemprego elevado, tudo está bem na economia portuguesa e desde a senhora do FMI ao grandioso Durão Barroso todos festejam o grande sucesso do ajustamento português, um grane sucesso porque apesar de não cumprir qualquer meta consegue reabrir a porta do mercado do financiamento especulativo da dívida soberana.
Mas o mais irónico disto tudo é a designação de saída limpa, copiando a terminologia irlandesa. É verdade que estamos perante uma saída digna da lixívia mas não porque somos como irlandeses, já seria muito bom se fossemos como os gregos, quanto mais como os irlandeses. Mas a verdade é que o termo saída limpa é bem aplicado e é por causa dessa limpeza que os altos responsáveis da troika celebram tanto e não é difícil de adivinhar que o relatório da próxima avaliação da troika seja um bom vinho português para acompanhar as iguarias dos indígenas, acabando com uns famosos pastéis de nata, imaginem a cara de deslumbramento daqueles três lanzudos que nunca foram tão bem tratados nem servidos com tanta subserviência.
A troika tem razões para celebrar, estão-se aproveitando da propaganda de um governo que quer vender uma imagem de sucesso para se ilibarem de responsabilidades no desastre português, manipularam um grupo de extremistas para transformarem um país europeu num banco de ensaios e o melhor que lhes poderia suceder era terem um governo mais empenhado nas eleições legislativas do que no interesse do país. A troika vai escapar-se a quaisquer responsabilidades e esta mentira da saída limpa é a sua própria saída limpa deste processo de ajustamento sujo a que sujeitaram o país durante três anos.
Os senhores da troika – Lagarde, Barroso e Mario Draghi – precisam desta mentira para serem eles próprios a terem uma saída limpa depois de toda a merda que fizeram.