Um dos sentimentos mais enraizados na nossa cultura é o da culpa, mal nascemos e já somos pecadores, só sairemos do limbo senão mesmo do purgatório se nos batizarem a tempo. Somos culpados de todos os males do mundo e mesmo sem o sabermos estamos pecando, pecamos quando pensamos num gelado delicioso, pecamos quando invejamos o carro do patrão, pecamos quando olhamos para as pernas da vizinha, pecamos por tudo e por nada e mesmo os que que não pecam carregam os pecados do mundo.
Se o liberalismo tradicional apela à ordem natural das coisas para assegurar que as forças naturais actuam no mercado como se uma mão invisível se tratasse, este novo liberalismo revolucionário que nos desgoverna precisa de fazer uma contrarrevolução para endireitar as coisas sem poder recorrer a uma Dina do Pinochet tem recorrido as valores mais conservadores da nossa cultura religiosa para transformar as vítimas nos culpados.
Em Portugal não houve uma crise e os males da economia não podem ser entendidos `luz de teorias económicas que apontem para uma zona monetária mal desenhada, para a incompetência do BCE ou mesmo para a natureza ciclíca da actividade económica. Ao contrário de todas as crises económicas a portuguesa não tem raízes na economia, mas sim num povo que promoveu uma orgia e transformou a sua economia numa Sodoma ou Gomorra
Todos os males da economia são explicados por culpas dos portugueses menos abastados, comeram demais, não pedem as faturas, são preguiçosos, preferem receber subsídios a trabalhar, enfim, uma infinidade de culpas que justifica que agora sejam condenados a carregar com os males da economia às costas. De fora ficam os que comungaram no governo e se livraram do castigo, os empresários que só são competitivos graças aos baixos salários, os banqueiros que são indispensáveis à economia e que foram vítimas dos abusos alheiros.
Este OE leva ainda mais longe este sentimento de culpa e os portugueses sabem que só terão um possível reembolso simbólico do IRS se em 2015 se portarem bem. Se pedirem fatura, se denunciarem o vizinho que não tem contrato de aluguer, se forem contra a vontade do patrão e exigirem que nada lhes seja pago por fora então talvez sejam premiados se chegarem às portas do céu, lá para Junho de 2016.
Mas mesmo assim não terão a certeza do perdão dos seus pecados porque se pelos seus pecados passados a economia não crescer os 1,5%, se as gorduras e formosuras do Estado não ficarem dentro dos limnites, se não for possível cortar brutalmente na educação, se o Portas não convencer mais algumas tríades chinesas a comprar casa em Lisboa, então os nossos pecados passados terão mais peso nos nossos bolsos do que o nosso arrependimento presente.
Os falsos tecnocratas da Lusíada vão estão desenvolvendo uma nova ideologia moral que mistura a culpa com a purza das contas públicas exigindo dos cidadãos comportamentos exemplares, transformando-os numa espécie de mílica popular ao serviço dos objectivos governamentais. O OE de 2015 transforma o povo numa milícia aos erviço do Estado para compensar as insuficiências e incompetências destes a troco de um soldo incerto que será pago em meados de 2016.