sexta-feira, outubro 31, 2014

Uma questão de seriedade

Será sério um governo que tem um primeiro-ministro que cortou os vencimentos depois de ter prometido não fazê-lo vir agora prometer a sua reposição num ano em que o país já se terá visto livre dele para duas horas depois dar o dito por não dito e assegurar que se for governo apenas irá repor 20% dos cortes, sem sequer esclarecer se são 20% do que se cortou inicialmente ou do corte de 80% que resulta da reposição feita em 2015?

Será sério um governo que tem um primeiro-ministro que usa a reforma do Estado com instrumento de provocação do seu parceiro de coligação e que só depois repara que a tarefa que tinha sido atribuída ao vice-primeiro-ministro era apenas a de elaboração de um guião da suposta reforma do Estado?
  
Será serio um governo que apresenta um Orçamento de Estado cujos cálculos assentam em previsões económicas que ignoram o facto de maior impacto económico que ocorreu na economia portuguesa e que depois de ter garantido que o BES não teria impacto orçamental, vem agora dar o dito por não dito e afirmar que esse impacto está “mitigado” nas contas do OE?
  
Será sério um governo cuja ministra da justiça se socorre de um relatório elaborado por um subordinado para lançar suspeitas sobre funcionários numa tentativa de apontar para responsabilidades criminais de terceiros que iludam as suas responsabilidades políticas?

Será sério um governo cujo ministro dos Negócios Estrangeiros fala de militantes portugueses do ISIS como se estivesse a falar de actividades de um ATL, ignorando as consequências das suas declarações?
  
Será sério um governo que tem um ministro do Ambiente que em plena apresentação do OE se gaba de ter reduzido as rendas excessivas que atribui ao governo anterior, as mesmas de que a Troika se queixou de não terem sido tocadas, mas depois gaba-se dos resultados conseguidos no domínio das energias renováveis sugerindo que teve um grande papel nesse resultado?

Será sério um governo que tem um primeiro-ministro que apontou 2012 como o ano da viragem, que em 2013 “antecipou” a viragem para esse mesmo ano, que prometeu que 2014 seria o ano da viragem e que agora assegura que “2015 será um momento de viragem”?
  
Será sério um governo que tem um ministro da Economia que andou um mês a repetir as estatísticas do comércio externo para agora não lhes fazer uma única referência?
  
Eis alguns exemplos de falta de seriedade deste governo.
  
Muitas vezes questionamos a competência e mesmo a honestidade dos membros de um governo e já ficamos felizes se não forem incompetentes e corruptos. Mas um governo só tem sentido se tiver credibilidade pois os cidadãos enquanto eleitores ou enquanto agentes económicos precisam de saber se a palavra dos seus governantes merece credibilidade antes de tomarem as suas decisões.
  
É uma tradição na política portuguesa os políticos prometerem e depois não cumprirem porque tiveram de enfrentar novas circunstâncias. Mas pela primeira vez um governo sabia ao que vinha, os seus responsáveis tinham exigido a vinda da troika e afirmaram-se confortáveis por governar com essa mesma troika, concordaram com as medidas de um memorando que cumpriram com prazer e até o alteraram para agravas as medidas nele previstas.
  
Portanto, este governo não pode invocar surpresas e se não actuou conforme o que prometeu é porque as pessoas que o formam não são sérias, não merecendo o respeito dos concidadãos e a confiança dos agentes económicos. Foram dados alguns exemplos de seriedade, mas poderiam ser dados muitos mais pois as manifestações de falta de seriedade uma boa parte dos membros deste governo são praticamente diárias.
  
Pode um país num momento de grande crise, com a banca a dar sinais de se desmoronar, com a Europa num impasse e com a economia estagnada  ser governado por gente que além de incompetente dá sucessivas provas de falta de seriedade?