quarta-feira, julho 08, 2015

Investigar ou vasculhar?

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Quando existem indícios da prática de um crime público cabe ao Ministério Público, muitas vezes confundido com justiça como se os seus magistrados tivessem o dom da verdade e o poder de condenar antes do julgamento, iniciar uma investigação a fim de apurar se tal crime pode ter sido cometido, recolhendo provas consistentes  de que  Nalguns domínios a própria lei cria mecanismos para que determinadas informações sejam comunicadas às autoridades por poderem ser indícios de crimes, é o caso de algumas transferências de dinheiro que podem indiciar o crime de branqueamento de capitais.
  
Algo muito diferente e perigoso para democracia é em vez de investigar com base num indício vasculhar a vida de alguém porque se quer que alguém seja tratado como criminoso, se suspeita de que alguém é criminoso apesar de não haverem indícios ou porque não se gosta ou se quer destruir alguém de que não se gosta. Era assim que actuava a PIDE a mera suspeita de que alguém não simpatizava com o regime ou uma mera dica dada por um bufo servia para que a polícia política começasse a vasculhar a vida de alguém para encontrar algo que permitisse destruir a vida desse cidadão. A investigação obedece a regras e em democracia respeita os direitos dos cidadãos, não os eliminando em favor dos poderes policiais. O vasculhar nada tem que ver com investigar.
  
Infelizmente um dos exemplos mais perfeitos do que é vasculhar para incriminar alguém de quem não se gosta porque no exercício dos poderes democráticos nos prejudicou em benefícios que socialmente podem ser considerados abusivos foi o que sucedeu com a iniciativa da associação dos juízes de vasculhar as compras feitas por todos os membros de um governo democrático na esperança de descobrirem alguma compra pessoal que permitisse uma acusação criminal. Para além do efeito puramente difamatório nada se apurou e os tais juízes arvorados em associação nunca pediram desclpa aos visados e ao país, nem assumiram o falhanço da iniciativa.
  
Quando vemos uma procuradora-geral adjunta assumir que no fim desta vaga dos processos judiciais salvar-se-ão os honestos, como se o país fosse vítima de uma praga bíblica destinada a salvar-nos da depravação colectiva, fica-se com a impressão de que há um processo de limpeza, algo que só é possível vasculhando a vida de todos os que possam ser suspeitos de serem pecaminosos. Quando os juízes vasculham os cartões de crédito e os procuradores no tranquilizam porque os honestos serão poupados ficamos com a impressão de que os magistrados se uniram e meteram o país em lixívia para lhe limpar a nódoas.
  
Se há cidadão deste país cuja vida privada foi vasculhada esse cidadão é José Sócrates. Nada na vida de José Sócrates se escapou a este processo, as suas opções sexuais foram escrutinadas, o seu desempenho profissional na Covilhã foi investigado por agentes da PJ, as suas despesas com cartões Visa foram alvo de analise cuidada por juízes fora dos tribunais, um conhecido empreendimento foi investigado durante anos com um custo de muitos milhões com base numa carta anónima forjada em colaboração com gente da PJ, até a extrema-direita ajudou o MP recolhendo dados sobre movimentos financeiros da família de Sócrates. De José Sócrates sabemos tudo sobre a sua vida profissional sobre a sua vida íntima, sobre os seus familiares e amigos próximos. O vasculhar de tudo o que diz respeito a Sócrates é tão rigoroso que ser amigo dele, ter feito parte do seu governo, ter sido sua namorada ou ter tido qualquer laço com ele é suficiente para que este vasculhar se alargue a dezenas de pessoas.
  
Se bem me lembro a Operação Marquês foi iniciada com uma suposta comunicação por parte da CGD de uma movimentação financeira, comunicação feita ao abrigo da legislação aplicável ao branqueamento de capitais. Foi o MP que tomou a iniciativa de esclarecer a forma como foi iniciado o processo, recorrendo mesmo à publicação de um comunicado. Sucede que até esta data nada se conseguiu saber sobre a tal movimentação financeira, o processo já deu várias voltas ao país e arredores, estando agora para os lados do Algarve depois de umas idas a Paris e tanto quanto se sabe ainda não há provas. Há tantos indícios que até já ninguém fala do indício original, a tal transferência na CGD, um banco que, como se sabe, até é público e por isso muito cumpridor da lei.

Quando se percorre as notícias que nos vão dando conta das supostas tropelias de José Sócrates ficamos com a impressão  de que não há propriamente uma meada, há muitos novelos enleados e quando um não dá nada procura-se a um indício que aponte para outra meada por onde puxar outra ponta. Fica-se com a sensação de que Sócrates é um criminoso, toda a comunicação social que diz ter acesso ao processo não tem a mais pequena dúvida sobre isso, o problema parece ser arranjar as provas para essa convicção. Os juízes condenam por convicção, parece que as polícias começam a fazer o mesmo, primeiro tipificam alguém como criminoso e depois procuram-se as provas. Na falta delas vasculha-se a vida do suspeito.
  
No caso de Sócrates parece que anda a investigar cada movimento bancário e depois investiga-se todos os que de alguma forma se relacionara com Sócrates. Pelo papel activo de um inspector tributário durante o último interrogatório (tal como foi reproduzido na revista Sábado) até se fica pela impressão de que as bases de dados do fisco estão sendo muito úteis para este varrimento de tudo o a Sócrates possa dizer respeito. 

Cada vez mais tenho a sensação de que a Operação Marquês em vez de investigar vasculha, parte de uma convicção de culpa ra uma busca extensiva de provas que confirmem essa convicção. Não se investiga um crime, pula-se de movimento financeiro em movimento financeiro, de movimento fiscal em movimento fiscal, na esperança de apanhar qualquer coisa, pouco importa que tenha que ver com o suposto indício inicial, é preciso chegar a uma qualquer condenação. A nossa justiça começou com um "elementar caro Watson" e agora não encontra forma de dar consistência a essa elementaridade, por isso vasculha, vasculha, vasculha e pelo que parece difama mais do que prova.