Ao ouvir os comentários de algumas forças políticas a propósito do OXI grego lembrei-me do “Tanto Mar” cantado por Chico Buarque, quase percebi no discurso do Bloco de Esquerda, do PS ou do PCP um apelo aos gregos para que nos mandassem um cheirinho do seu alecrim, o ambiente de revolução na praça Sintagma fazia-nos recuar aos tempos do PREC, em que só havia um amanhã radioso, tudo o resto não importava. Mas, infelizmente, o “Tanto Mar “ de Chico Buarque teve duas versões e na segunda versão o cantor queixa-se de que “já murcharam a tua festa pá” e com uma Grécia parece suceder o mesmo.
Hoje, com mais uns aninhos e menos capacidade de abstracção em relação à realidade do que a que tinha em 1975 não me veio à memória apenas uma das melhores músicas de Chico Buarque, lembrei-me também da orquestra do Titanic que tocava enquanto o navio se afundava com milhares de passageiros, os homens ricos que optaram por salvar as mulheres e as crianças e os homens e mulheres pobres que não tiveram direito a nada. O que estavam a festejar os gregos, a derrota da senhora Merkel que continua a ter o poder de decidir? A vitória contra os governos europeus como festejou a senhora Le Pen? A grande vitória contra o capitalismo que tanta alegria deu ao PCP?
E agora?
Agora o governo grego vai confirmar o não que já tinha dito à última proposta dos credores e em vez de retomar as negociações na sua última proposta já defende um perdão de parte da dívida e uma moratória no pagamento da restante. Com as legislativas o Syriza entendia que o povo grego tinha decidido acabar com a austeridade, com o referendo o Syriza acha que tem legitimidade para decidir a reestruturação da dívida. Resta saber se os mesmos que não aceitaram o fim da austeridade vão aceitar agora o perdão parcial da dívida mais o fim da austeridade.
Entretanto, a economia grega está à beira do colapso, o governo já não pagou parte das pensões e mesmo que venha a pagar as próximas pensões e vencimentos no Estado esse pagamento será virtual, os pensionistas e trabalhadores recebem, mas terão de ir para a fila do Multibanco levantar uns quantos euros. A banca está à beira da falência, os importadores têm dificuldades em importar matérias-primas e equipamentos, os mercados ressentem-se da falta de notas. Não tardarão as notícias de idosos que não passam a noite na fila do multibanco para acabarem por não conseguir levantar o dinheiro de que precisam para os medicamentos, de que nos hospitais começam a faltar medicamentos e peças para manter os equipamentos operacionais, de fábricas que param por falta de matérias-primas ou de peças de substituição. Estamos falando de um país com centenas de ilhas e cada uma delas vai ser um drama dentro do drama.
Eu também gostaria de festejar, de cantar e de dançar com os gregos, mas só com os gregos, com os muitos que imaginaram um futuro radioso porque o oxi ganhou, só com o gregos porque não queria dar com uma fila do tipo “Quando o comboio apita” dando a mão esquerda ao Jerónimo de Sousa e a direita à Le Pen. Mas por mais que me esforce não consigo encontrar motivos para festejar, nem em nome dos gregos, nem em nome dos portugueses a quem disseram que iriam ganhar com as lutas dos gregos já porque por cá querem ganhar em dois carrinhos, querem os benefícios de mais uns tempos sem austeridade e nas sondagens dizem que vão votar na direita.
Agora a Europa vive em contrarrelógio, ainda não se sabe se é para a Grécia sair do Euro ou se é para o Euro sair da Grécia, em qualquer caso é um contrarrelógio sem hora marcada. Não se sabe quando se chegará a um acordo, não se sabe se o governo grego se lembra de convocar novo referendo ou se serão outros governos a lembrar de que aprenderam a democracia com a Grécia, a antiga e a moderna, e decidem-se por também ouvirem o que têm a dizer os seus povos, não se sabe se o acordo vai ser para a Grécia permanecer no Euro ou se é para sair do Euro.
Os bancos estão fechados, os multibancos estão sem notas, o sistema financeiro está paralisado, é impossível fazer transferências de dinheiro (imaginem as famílias que tenham filhos a estudar no estrangeiro). Quando se esperava que o derrota do Sim fosse a derrota do ministro das Finanças alemão foi o Varoufakis que se demitiu, isto é, a Grécia mandou os credores à fava mas faz a vontade à Lagarde e vai substituir o seu interlocutor por um mais “crescido”.
Daqui a uns dias os que a primeira versão do “Tanto Mar” dará lugar à segunda e perceberemos que as imagens que ao longe pareciam ser uma festa, podem, afinal, ser as da orquestra de um Titanic Europeu que se afunda na hipocrisia dos credores e do governo grego, da direita e da esquerda, dos países do norte e dos países do sul, da extrema esquerda e da Le Pen. O referendo grego poder ter sido o tOXIco que atirou a Europa para uma crise e antes desta ser ultrapassada terá de enfrentar outro referendo tOXIco onde os britânicos dizem que ou a EU faz o que eles querem ou vão-se embora. A UDE pode não sobreviver a tanto referendo tóxico.