Ainda recentemente o país assistiu a uma guerra surda pela posse de uma importante fatia de negócios que ainda funcionam nos mercados e que muitas boas almas estão empenhadas em que seja transferido para a área da economia social, essa imensa economia paralela onde as regras, as auditorias e as investigações porque é um mercado sem pecado, de gente dedicada e honesta que receberam uma graça divina e é como se tivessem recebido uma vacina contra a corrupção, a incompetência, o favorecimentos e outros males, que, como se sabe, só atingem gente pecaminosa das empresas e da política, de preferência os segundos.
Enquanto o OE era discutido um deputado do CDS e vereador da CM de Cascais lançou uma petição para que as refeições escolares fossem retiradas do mercado normal, para passarem para o mercado da gente bondosa. Ao mesmo tempo Catarina Martins, representando outro lóbi de gente igualmente bondosa se metia no assunto. Por coincidência ou talvez não o país foi assolado quase diariamente com notícias desagradáveis, até se descobriu uma lesma nacional que é resistente ao calor, depois de cozida com a sopa conseguia nadar alegremente enquanto era filmada. Acabada a negociação do OE desapareceram as más notícias, o vereador de Cascais esqueceu-se da petição e a Catarina Martins passou a entreter-se com o Mário Centeno.
Também nestas semanas se escreveu muito sobre os almoços frugais de sandes de pão com ar, servidos aos nossos heroicos bombeiros. Deu numa guerra entre o presidente da Liga dos Bombeiros, um senhor poliglota nesta coisa das línguas do poder e as associações dos bombeiros. Ainda a propósito dos incêndios fica para a história os muitos mortos e feridos devidos a suicídios ou tentativas de suicídios por parte de portugueses que se sentiam abandonados pelo Estado, inventados pelo generoso presidente da Santa Casa de Pedrógão para alegria de Passos Coelho.
Estamos falando de centenas de corporações de bombeiros, de centenas de santas casas, de milhares de associações e ONG dedicadas às mais variadas causas, todas juntas movimentando milhares de milhões de euros, em grande parte financiados pelo Estado. Gerem compras de muitos bilhões em matérias-primas, equipamentos e produtos alimentares, gerem centenas de negócios que vão de cantinas a grandes centros hospitalares de reabilitação, milhares de lares e de creches. Todas estas atividades juntas são a maior empresa do país e seguramente uma grande empresa à escala europeia.
É um mundo fechado a controlos, inspeções, auditorias, controlos fiscais, uma imensa zona franca onde as autoridades têm medo de entrar, onde qualquer dúvida sobre o que se faz é considerada um pecado mortal. Dominam o poder político porque usam esta imensa máquina em todas as eleições ou para melhorar a imagem de autarcas, deputados, ministros e presidentes. Quem se mete com eles leva, quem se mete com a Santa Casa leva, quem se mete com o presidente da Liga dos Bombeiros leva, quem se metesse há uma semana atrás com a Senhora raríssima levava. Os políticos têm medo e cedem cada vez mais fatias de negócios que sendo do Estado são decididos segundo as regras de mercado, em concursos públicos. Nesta imensa economia paralela não há regras, não há mercado, não há polícias nem agentes do fisco, só há gente imensamente bondosa.