Todos sabemos que as comoções trazem mais simpatias, quando alguém da alta sociedade abraça uma pobre velhinha quem fica com os louros da fotografia é o senhor, o pobre funciona como figurante, só está ali para que a comunicação mostre como o senhor é bondoso. Passados minutos o senhor continuará a pavonear-se nas televisões, dele dirão ser um grande coração, cheio de amor para dar. A pobre velhinha cuja fotografia correu mundo será ignorada, minutos depois ninguém a reconhecerá, a sua tragédia será esquecida, as suas dores ignoradas, cumpriu o seu papel de engrandecimento dos que já eram grandes.
Compreende-se que numa sociedade em que os likes são tão importantes para quem tem o poder. São ainda mais importantes para quem não só tem o poder que resultados dos votos, como quer transformar este poder numa arma de destruição política, combinando-o com uma popularidade alcançada a qualquer custo. Compreende-se que não se queira evidenciar os sucessos, pior ainda, recorre-se ao jogo sujo de palavras manhosas para envergonhar os que tiveram sucesso, mesmo sabendo-se que graças a esse sucesso é mais fácil acorrer às vítimas das tragédias.
Alguém honesto diria que ainda bem que apesar das calamidades temos sucesso na economia, que os juros da dívida são mais baixos, que não estejamos à beira de um segundo resgate. Graças a esse sucesso o país pode libertar mais recursos para acorrer às vítimas, pode ajudar uns sem que isso sirva de justificação para tirar o escalpe a outros, sem que isso sirva de argumento para inventar mais um “desvio colossal”. Quem tanto gosta de acorrer às vítimas e cobrar isso sob a forma de popularidade nas sondagens do Expresso deveria estar grato.
Mas há mais uma dimensão que deveria levar algumas personalidades a pensar. As tragédias que assim são tratadas na comunicação social são necessariamente coletivas, mas na verdade cada tragédia é um somatório de tragédias individuais, não há mortes coletivas. Para a família de alguém que morreu num pequeno incêndio a tragédia é tão grande quanto para o familiar de uma vítima dos incêndios de Pedrógão ou dos que ocorreram em Outubro. Isso é verdade para as vítimas dos incêndios, como o é para as vítimas dos acidentes de viação, dos acidentes no trabalho ou dos naufrágios. Em muitos deles o Estado também falhou, da mesma forma que falhou quando uma vítima de violência doméstica é assassinada apesar de ter feito sucessivas queixas na polícia.
Um país é feito de sucessos e de insucesso, de tragédias de alegrias, de riqueza e de pobreza. Um presidente devia estar grato porque o país tem sucessos apesar dos momentos trágicos que atravessou, um presidente que quer que o país tenha mais capacidade para acorrer às vítimas dos incêndios ou para ajudar os mais pobres deveria estar grato porque esse mesmo país pode aceder a financiamento mais fácil e mais barato, por ter menos défice público podendo libertar recursos para situações imprevisíveis, para continuar a crescer apesar de tudo o que de mau aconteceu em 2017.
É lamentável que o Presidente desta República não pense assim e pareça estar mais interessado na desgraça e na instabilidade, não sei se por lhe dar gozo, por mera inveja ou porque assim se sente mais poderoso. Mas é pena, revela alguma pobreza de espírito.