sábado, abril 03, 2010

Dia do Judeu

Na minha infância o sábado da Semana Santa era o dia de Judas ou, mais genericamente, o dia do Judeu, a tradição popular deste dia consistia em fazer bonecos, os judeus, que eram depois queimados. Esta tradição não era exclusiva da mina terra, aqui e acolá vão sendo feitas reconstituições desta prática.

Foram necessários vinte séculos para que a Igreja Católica considerasse que o povo judeu não foi o culpado da morte de Cristo e pusesse fim à perseguição aos judeus que promoveu durante séculos e que conduziu a chacinas sucessivas.

A Igreja Católica tem um longo historial de não aceitação das suas responsabilidades e ainda maior quanto a aceitar as consequências dos crimes praticados pelos seus responsáveis, Galileu também teve de esperar até ao século XX para a Igreja lhe reconhecer uma razão que há muito a ciência já lhe tinha dado. Entre reconhecer e pedir perdão às suas vítimas ou colocar os seus interesses acima das vítimas a Igreja Católica nunca hesita, opta sempre pela segunda solução.

Só que já estamos em pleno século XXI e não é possível manter o encobrimento dos crimes praticados por alguns dos seus padres da mesma forma que se manteve a condenação de Galileu. A crise em que a Igreja Católica se está a envolver não se deve a um fenómeno novo, nada do que sucedeu nos últimos meses foi novidade, o que mudou foi o mundo e uma boa parte da Igreja Católica, incluindo o papa, ainda não o percebeu.

Os direitos dos cidadãos estão acima dos interesses da Igreja, os seus padres não estão acima da lei para defesa do bom nome da Igreja, foi isto que o papa e um bom número de bispos não perceberam a tempo. Não perceberam que não podiam exigir que a lei contemple a prisão das mulheres que abortam ao mesmo tempo que os seus crimes se resolviam com meia dúzia de ave-marias e uma oportuna mudança de paróquia.

O problema da Igreja não é saber como fazer esquecer o assunto mas sim como aceitar e assumir as culpas. D. José Policarpo, cardeal patriarca de Lisboa, soube fazê-lo ainda que saiba que as vítimas do padre Frederico foram esquecidas e ainda não receberam a indemnização a que o padre Frederico foi condenado. Mas D. José Policarpo foi a única voz inteligente que ouvi, todos os outros parecem estar mais preocupados em tentar abafar e desvalorizar as culpas do que em assumi-las, estão mais preocupados em proteger-se do que em proteger as vítimas.

Uma boa parte da hierarquia da Igreja Católica parece não perceber que os judeus, Galileu ou as vítimas dos cruzados são coisa do passado, quem em pleno século XXI ou a Igreja Católica assume responsabilidades e reconhece os direitos das vítimas ou será ela própria vítima dos seus próprios pecados.