sexta-feira, abril 16, 2010

É possível o Estado gastar menos?

A resposta é óbvia, é possível mas não seria a mesma coisa. O Estado é uma imensa máquina que sem se não for gerida com rigor e com uma constante preocupação com a sua eficiência tende a consumir cada vez mais recursos sem que daí resulte necessariamente mais eficácia.

Não bastam reformas pontuais ou apertos de cinto repentinos para que as despesas dos serviços da Administração Pública sejam reduzidas de forma sustentada, os cortes repentinos resultam mais no adiamento da despesa do que em poupanças, as reformas morrem quase todas às mãos dos especialistas em poder de corredor. Sem pretender fazer uma abordagem exaustiva do problema deixo aqui algumas notas soltas sobre o problema.

A orgânica dos serviços públicos:

Os serviços tendem a multiplicar-se, os serviços passam a consumir mais recursos com a burocracia interna do que com as áreas de negócios, multiplicam-se os serviços de apoio, os lugares de chefia proliferam, o batalhão do pessoal de apoio engrossa. Poucas reestruturações escapam aos truques dos dirigentes para manterem ou mesmo aumentar os lugares de chefia necessários para manter as castas superiores das organizações.

Uma boa parte dos recursos do Estado é consumida com a burocracia interna que o próprio Estado gera, a moda da formação, as auditorias internas da treta, as respostas a inspecções-gerais, a gestão de recursos humanos com leis que proliferam como cogumelos consomem uma boa parte dos recursos humanos. Chega-se ao ponto de num serviço, por exemplo no fisco, ser mais necessário o know how da legislação do pessoal do que o técnico. A actual avaliação do desempenho é um bom exemplo desta inversão de valores, o bom funcionário corre o risco de ser penalizado por saber mais da sua actividade dos que dos truques da avaliação.

As instalações:

As instalações do Estado são mal geridas, quer na perspectiva da sua utilização quer na da manutenção, são muitas as situações de abuso por parte de dirigentes que usam o seu poder para usufruir de gabinetes palacianos, muitas vezes à custa da funcionalidade dos serviços. Há muito que o Estado deveria ter transferido muitos dos seus serviços para instalações mais adequadas às suas funções e adoptado normas rigorosas na imputação de custos (a ideia do pagamento de rendas que foi esquecida devia ter sido retomada) e na distribuição dos espaços. Este é um ponto que as inspecções-gerais esquecem.

O ordenamento territorial:

Muitos serviços organizaram-se em função do ordenamento territorial resultante do municipalismo, situação que deixou de fazer sentido com a profunda mudança tecnológica ocorrida nas últimas décadas, muitos dos serviços deixaram de ser necessários, sendo mantidos para proporcionar um falso conforto às populações, para evitar a resistência dos autarcas, para conforto dos funcionários que não terão de mudar de residência e para que os sindicatos não receiem a redução de pessoal. Se nalguns casos, como os serviços médicos, a reorganização tem sido feita, noutros fica tudo na mesma e daí resulta a duplicação de custos e a manutenção de um modelo de organização cada vez menos eficaz.

A gestão dos recursos humanos:

Os serviços públicos pecam por falta de produtividade o que não significa que os funcionários públicos trabalham pouco como alguns políticos irresponsáveis deixam implícito no seu discurso. A burocracia interna, a má gestão, a inexistência de avaliação dos gestores, a duplicação de tarefas, as mordomias das chefias retiram uma boa parte dos recursos humanos às áreas de negócio dos serviços reduzindo brutalmente a sua ineficácia. Se um serviço carece de um funcionário para uma determinada função não o consegue, mas se um dirigente quiser duplicar o número de meninas no seu serviço de apoio consegue-o no dia seguinte.

O parque automóvel:

No Estado há dois tipos de viaturas, as de luxo que são usadas pelos dirigentes e os “chassos” que são usados nas áreas de negócio das organizações. As viaturas dos dirigentes é uma mania latina de que o Estado não se livra, parece que a dignidade dos diversos níveis de liderança se mede pelo carro e pelo luxo do gabinete. Urge acabar com as viaturas dos dirigentes e encontrar novas soluções para a gestão do parque automóvel. Este governo disse que o ia fazer, mas os carros são os mesmos, as manias são as mesmas, a única diferença é que foi criado um organismo e consequentemente aumentaram os dirigentes, as suas mordomias e as viaturas.

Neste itens, como em muitos outros o Estado poderia poupar, mas como escrevi inicialmente não seria a mesma coisa, os dirigentes não teriam os seus gabinetes instalados em salões de palacetes, não teriam batalhões de meninas, motoristas e administrativos para lhes assegurar o conforto, teriam de ser avaliados em função dos resultados da área de negócio e não por relatórios de actividades da treta. Não bastam reformas pontuais, apertos abruptos do cinto e falsos modelos de avaliação do desempenho (de alguns). É necessário um esforço contínuo e uma mudança de cultura, precisamente o que os políticos não conseguem, adoptam medidas para produzir notícias, desconhecem o que se passa nos serviços que estão sob a sua tutela e, pior ainda, quando querem reformar vão buscar os “inteligentes” às universidades que sabem tanto do funcionamento do Estado quanto eu sei de lagares de azeite.