segunda-feira, janeiro 22, 2007

Haja mais bom senso e menos hipocrisia

Não vou tomar partido no caso da criança que foi acolhida por uma família à margem da lei e que agora tanto anima o debate depois da prisão de um sargento do Exército decidida pelo Tribunal de Torres Novas. Como todos os portugueses tenho opinião, mas essa opinião é influenciada por aquilo que a comunicação social nos conta e com base nesses dados é difícil ir contra a corrente.

Incomoda-me e preocupa-me o que vou ouvindo, muitos dos argumentos usados para defender os “pais adoptivos” são demasiado perigosos para que sejam aceites tranquilamente. Ouço dizer que pai é quem cria e imagino quantas situações ocorrem em que um dos progenitores pode ser impedido de criar, ou que o pai biológico não tem condições para criar a criança o que me faz recear que ser pobre se possa ser motivo de impedimento para ter filhos ou assumir a sua paternidade. Vejo jornalistas a inquirir populares sobre o destino de uma criança como se de uma simulação de um tribunal popular se tratasse. Vejo um militar a adoptar uma criança à margem de quaisquer regras elementares e a desobedecer às decisões dos tribunais invocando a defesa de uma criança quando essa defesa não lhe cabe. Vejo uma mãe que abandonou uma filha e a entregou a desconhecidos a ser usada por uma das partes num processo em que ninguém é inocente.

A verdade é que, independentemente do comportamento reprovável do pai biológico (será suficiente para se perder o direito à paternidade?), o comportamento dos “pais adoptivos” também não suscita qualquer elogio. Adoptar à margem de quaisquer regras (mesmo que as actuais regras ou a forma como são aplicadas atiram centenas de crianças para instituições) e impedir qualquer contacto com o pai biológico não é aceitável, e muito menos o será invocando o interesse de uma criança que tem direito à relação com o pai ideológico, por mais idiota ou criminoso que este seja.

O problema é que o mal está feito e todos os envolvidos são co-responsáveis, a mãe que entregou o filho a um casal que nem conhecia, o pai biológico que se portou como um idiota, os pais ditos “adoptivos” que adquiriram uma filha como se fosse três quilos de pão, e os tribunais que arrastam a decisão sobre o futuro de uma criança como se o seu crescimento fosse suspenso á semelhança do que sucederia se estivesse uma dívida em litígio. Quando é que o Tribunal Constitucional irá decidir obre o recurso que tem pendente, quando a criança entrar na adolescência? Nenhum dos intervenientes neste processo fez bem à criança. e chegamos ao ponto em que a melhor forma de não a prejudicar mais é, muito provavelmente, optar pelo mal menor, a melhor forma de cumprir as boas leis que adoptámos é decidir à sua margem.

A verdade é que nem o Estado nem os tribunais estão a lidar da melhor forma com as crianças e não me refiro apenas às crianças que são abandonadas, refiro-me também aos filhos dos pais divorciados, às crianças que vivem em instituições e mesmo (porque não dizê-lo?) a muitas crianças que vivem em “boas famílias”.

Sugiro a leitura de um artigo publicado no DN do passado dia 14 onde se conta a história de um pai chamado “Manuel” [Link] em que está em causa o crescimento feliz de outra menina. Também neste caso, como em milhares de outros, os ritmos e os procedimentos dos tribunais não vão de encontro às necessidades da criança. Os tribunais não podem decidir como se as crianças crescessem ao ritmo de um sobreiro e é isso que está sucedendo tanto no caso do Tribunal de Torres Novas como na filha do Manuel, como no caso de muitas crianças cuja felicidade está condicionada em muitos milhares de poeirentos processos de adopção ou regulação do poder paternal. De nada serve às crianças que um país tenha regras e leis modernas se na sua aplicação os processos se arrastem e as decisões tomadas acabem por ser as mais fáceis e confortáveis para os magistrados.