Se o “não” vencer no próximo referendo sabemos que tudo ficará na mesma, o Marcelo vai procurar outros motivos para satisfazer as suas necessidades de protagonismo, as meninas bondosas vão regressar às suas obras de caridade, Marques Mendes vai regressar aos caixotes do lixo de São Bento em busca de argumentos para fazer política. Se o “não” vencer o aborto clandestino fica legitimado, até porque ainda a campanha vai começar e é opinião unânime de que nenhuma mulher deverá ser condenada, os magistrados estarão perante uma lei para efeitos pedagógicos, a medicina paralela fica consolidada.
Espero que o “sim” vença, mas isso não significa que defenda que tudo fique na mesma, o problema do aborto não se resolve apenas porque em vez de clandestino se realize em condições civilizadas, até porque o aborto clandestino vai continuar a existir.
Se o “sim” vencer o Estado tem razões acrescidas não só para adoptar medidas que apoiem a mulher grávida como para fazer um combate efectivo ao aborto clandestino, até porque não faltará quem crie dificuldades no SNS para desviar grávidas para as suas clínicas clandestinas, não me admiraria mesmo nada que houvesse pessoal clínico a invocar a objecção de consciência nos hospitais públicos para rentabilizar o negócio nas suas clínicas privadas.
Portugal tem problema de natalidade que deve ser encarado, ainda que o envelhecimento da população não deva ser combatido com nascimentos forçados como sugerem alguns defensores do “não”. Para a maioria das famílias portuguesas ter um filho, mesmo que desejado, é uma dor de cabeça, a legislação laboral não favorece a maternidade, os infantários privados são excessivamente caros e florescem graças à falta de oferta pública, as escolas do ensino básico públicas são um risco para o futuro académico das crianças e uma consulta a um pediatra no SNS é uma via sacra.
Não basta votar “sim”, se não forem adoptadas outras medidas existe um risco evidente de a IVG funcionar em favor de um desequilíbrio na distribuição etária da população que é preciso combater de forma activa. É importante promover a natalidade, não através das instituições de caridade e de acolhimento de crianças abandonadas, mas criando condições para que as crianças sejam bem-vindas pela família e pela sociedade.