quarta-feira, janeiro 24, 2007

Referendo: Estamos todos de acordo, ou quase...


Se os partidários do "Sim" defendem que as mulheres não devem ir para a prisão, os partidários do "Não" concordam, ainda ontem Maria do Rosário Carneiro, uma das pessoas do Blogue do Não, defendia que «a punição pena não é o caminho», e acrescentava que «Estamos todos de acordo com a despenalização», garantindo depois que: «Não queremos ver as mulheres devassadas na sua privacidade, nem na barra dos tribunais. Entendemos que a punição penal não é o caminho». Portanto, ninguém quer as mulheres nos tribunais, estamos todo de acordo.

Se os partidários do "Não" são a favor da vida não conheço nenhum partidário do "Sim" que seja a favor do aborto, todos dizem querer combater o aborto. A diferença está nos métodos, que vão da caridade e ameaças de tribunal à educação sexual. Portanto, ninguém quer que as mulheres abortem, estamos todos de acordo.

Se os partidários do "Sim" se apoiam nos dados da Organização Mundial da Saúde para afirmarem que o aborto clandestino tem custos elevados, os partidários do "Não" foram buscar António Borges a Londres para dizer quanto custaria ao Estado cada interrupção voluntária da gravidez realizada. Portanto todos reonhecem que o aborto tem custos e é preciso poupar, estamos todos de acordo.

Se os partidários do "Sim" apontam para a humilhação das mulheres que são levadas a tribunal e que sofrem com as consequências do aborto clandestino, os partidários do "Não" dizem que assim está muito bem, nenhuma mulher foi presa e as que entraram num hospital devido a complicações não foram assim tantas. Portanto, todos admitem o aborto, estamos todos de acordo.

Se os partidários do "Sim" defendem que as mulheres devem ter o direito de controlar a sua vida, o cardeal patriarca contrapõe que já não é necessário o recurso ao aborto, basta-lhes uso de contraceptivos e no caso de algum descuido sempre há a hipótese de recorrer ao aborto químico.
Portanto todos admitem que o aborto, mas aqui há uma pequena diferença, para os do "Não" há métodos mais pecaminosos do que outros.

No fundo, no fundo, quase ninguém defende a prisão das mulheres, quase todos admitem que o aborto é um flagelo, todos defendem que deve ser combatido, todos admitem que vai continuar a fazer-se seja ele legal ou clandestino.

Começo a desconfiar que algumas campanhas já desistiram de convencer os que não partilham dos seus argumentos, as estratégias visam apenas aumentar a abstenção entre os que não partilham das respectivas opiniões. O referendo que foi instituído para dar voz à participação directa dos cidadãos acaba por ser dominado por estratégias manhosas que visam precisamente o contrário, obter resultados eleitorais graças à abstenção.

Ganhe o "Sim" ou ganhe o "Não" é a democracia que vai sair derrotada no próximo referendo. Corre-se um sério risco de ver uma democracia assente em partidos ser subtituídas por uma democracia de agências e imagens geridas por gente sem rosto e sem escrúpulos.

Pelo "Sim" ou pelo "Não" é importante votar, a democracia tem que estar acima de estratégias manhosas geridas por fundamentalistas sem princípios.