Quando ouço a procuradora—geral adjunta Maria José Morgado justificar a arvoada justiceira afirmando que no fim sobreviveriam os honestos sinto-me recuado atirado para Salém, uma aldeia do Massachusetts onde no ano de 1692 foi iniciada uma caça às bruxas que conduziu à condenação de 20 pessoas por bruxaria.
Com uma justiça ávida de se justificar e com agentes da justiça ambiciosos, vaidosos e a quererem chamar a si o protagonismo e o poder de decidir quem está ou não certificado para exercer o poder e com um país desorientado e um povo em busca de culpados para todas as suas frustrações há um sério risco de assistirmos a uma caça às bruxas. Tal como em Salém tudo era sinal de bruxaria também em Portugal qualquer tostão ou telefonema feito é uma prova evidente de corrupção. E em Salém nem, sequer havia um CM ou jornalistas como a Felícia Cabrita.
Quando me dizem que um director-geral foi colocado em prisão domiciliária porque um conhecido lhe ofereceu duas garrafas de vinho e porque num telefonema alguém referiu que ele poderia aceitar uma prenda sinto que os critérios dos nossos juízes não diferem muito dos critérios dos seguidos pelo juiz Sewall de Salém. O problema é que o juiz Sewall acabou por confessar os seus erros e da mesma forma que os juízes dos tribunais plenários nunca assumiram os seus crimes, muito menos os magistrados que assumem a responsabilidade de velar pela legalidade democrática o vão fazer.
Quando um alto responsável da justiça portuguesa usa o termo “honestidade” para dizer que no fim escapam os honestos sinto que já não são as leis da república que estão em causa, são conceitos vagos que ninguém sabe onde estão escritos que serão utilizados para que magistrados destruam tudo e todos usando os seus poderes de investigação. O que será para Maria José Morgado ser honesto?
Portugal é o único país europeu onde vemos vários magistrados a serem comentadores políticos, outros a serem dirigentes desportivos. Este é o mesmo país de onde os investidores estrangeiros fogem porque não tem justiça e onde os processos se arrastam por mais de uma década. É o mesmo país onde há mais detidos preventivamente, onde as investigações assentam quase em exclusivo em escutas e outros métodos de devassa, onde os cidadãos têm medo da justiça mesmo quando não cometem crimes.
Há algo de errado em tudo isto, começa a ser difícil respirar num país de onde os jovens fogem, onde os idosos são culpados de tudo, onde os funcionários públicos são perseguidos, onde os magistrados fazem luxuosos congressos patrocinados pelo BES e onde, no fim disto tudo, alguém sugere que nio fim da purga escaparão os honestos. E quem serão os que não escaparão á purga, os que receberam duas garrafas, os que têm dinheiro, os que não caíram nas graças dos avaliadores da honestidade, os que governam contra determinados interesses governativos?