Mais do que um departamento governamental, a secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais de alguns governos foi uma espécie de serviço de finanças, um serviço de finanças reservados a ricos. Quase todos os secretários de Estado dos Assuntos Fiscais foram advogados dos grandes escritórios de Lisboa, precisamente os escritórios que constituem as empresas offshore ou que têm na sua carteira milhares de milhões de euros de dividas fiscais dos contribuintes mais poderosos.
Por coincidência, o governante que institui este esquema é ainda do tempo em que a secretaria de Estado era do Orçamento, a divisão entre orçamento e fisco foi introduzida por Manuela Ferreira Leite, que despromoveu os Assuntos Fiscais a subsecretaria de Estado, colocando no lugar Vasco Valdez, mais um advogado com escritório especializado em fisco com sede em Lisboa e a cuja equipa pertenciam altos dirigentes do fisco.
Com Oliveira e Costa e os seus famosos perdões fiscais foi criado um verdadeiro serviço de finanças, decisões como as dos perdões fiscais constituíram a politização de decisões que deveriam ser de mera aplicação da lei. Desde então a promiscuidade entre a decisão política e a decisão da Administração Pública, em aplicação das leis, tem sido quase total.
Mas Oliveira e Costa não inaugurou apenas o exclusivo Serviço de Finanças do terreiro do Paço, aberto apenas a grandes escritórios de advogados, banqueiros e gente fina. Inaugurou a promiscuidade com o sector privado, não foi apenas ele que se dedicou aos negócios, o seu braço direito foi para o contencioso fiscal do BCP. Ainda hoje se faz sentir o poder tentacular de Oliveira e Costa e dos seus rapazes, durante décadas muito do poder do fisco passou por pessoas da sua confiança.
Ao casamento do fisco com a banca seguiu-se um segundo casamento com o mundo dos escritórios de advocacia, Às ligações entre o poder no fisco juntaram-se as relações entre a máquina fiscal e os grandes escritórios de advogados. São muitos os funcionários do fisco que se aposentaram para se dedicarem à advocacia, mas ao fim de tantos anos de regime já existe uma segunda geração, os pais são dirigentes do fisco, os filhos têm carreiras brilhantes na advocacia. Por exemplo, o filho de um destacado director de finanças, homem da confiança de Paulo Macedo, está no escritório de Lobo Xavier.
Tudo isto é possível porque a secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais é muito mais do que um gabinete governamental, é um centro de decisões onde tudo o que envolve grandes interesses é decidido ao nível político. É evidente que Paulo Núncio nada tem que ver com listas de contribuintes, seja a que propósito for. Aliás, só a título muito excepcional é que poderia ser violado o sigilo fiscal pois a um político não cabe conhecer factos fiscais relacionados com um contribuintes em concreto.
Não faz sentido que um político tenha acesso a factos fiscais a não ser que esteja em causa uma decisão política que exige esse conhecimento. Os gabinetes dos secretários de Estado dos Assuntos Fiscais só têm acesso a estes dados porque há uma grande promiscuidade entre decisão política e decisão administrativa. Essa promiscuidade não existe por causa de um pobre, é muito pouco provável que um SEAF tenha alguma vez analisado um problema fiscal de um pobre.
Este caso das listas de transferências para as offshore é um exemplo de como os políticos condicionam abusivamente a acção da máquina fiscal. Neste processo o SEAF apenas poderia despachar dando indicações para que se procedessem em conformidade com a lei. Não foi isso que fez, obrigou os serviços a aguardarem quase dois anos, para depois produzir um despacho sugerindo que só tinha olhado para o envelope.