Com o argumento de que na sequência de uma notícia, provavelmente do Dâmaso, havia razões para se suspeitar de que Mário Centeno poderia ser corrupto, tendo trocado uma isenção concedida legalmente por dois lugares numa bancada onde ninguém paga bilhete, o Ministério Público, para espanto de Portugal e arredores, fez pesca de arrastão no edifício do terreiro do Paço. Certamente levou muitas pastas, cópias de discos, terá ficado a saber muita coisa sobre a vida privada do Ministro, dos seus secretários de Estado e até de amigos e familiares. Aliás, no julgamento do caso de corrupção de um alto magistrado, a questão do arquivo de informação veio de novo á baila e ninguém consegue perceber porque motivo o MP queria guardar informação que se refere à vida pessoal, diria íntima, de um estadista estrangeiro.
Questionado pelo DN sobre o destino da pescaria o MP responde que os documentos “considerado relevantes” pelos investigadores ficarão devidamente arquivados, isto é, é uma espécie de memória futura. Ficamos a saber que mesmo sem se ter cometido um crime e depois de devidamente investigada a situação, o MP considera que há informação que podem ser consideradas relevantes pelo MP e que devem constar nos seus ficheiros. Se é assim, se na vida privada e profissional de qualquer cidadão todos os dados e documento que contenham informações podem ser considerados relevantes pelo MP, isso significa que todo e qualquer cidadão pode ter ficha no MP.
Tomemos como exemplo o caso Marquês, a crer nas notícias a vasta equipa do fisco tratou de muitos gigabites de informação fiscal e bancária, escutas, documentos apreendidos, testemunhos e outros tipos de dados. É impossível que toda essa informação se refira a uma única pessoa. De forma direta ou indireta os investigadores tiveram acesso a informação privada de dezenas, centenas ou mesmo milhares de pessoas, informação que certamente é relevante.
Se considerarmos as centenas de inquéritos que o MP inicia e com base no qual recolhe informação pessoal de cidadãos, muitas vezes de forma intrusiva, é fácil de perceber que entre os investigados e os que de alguma forma se relacionaram com eles, há milhares e milhares de portugueses sobre os quais o MP tem informação e documentos “considerados relevantes”. Como não são suspeitos de nada isso significa que a informação relevante está guardada, porque um dia mais tarde poderá dar jeito.
Parece que sucede nas relações dos cidadãos com a “Justiça” o mesmo que sucedia com as crianças que morriam, antes de serem batizadas, em vez de irem para o céu ficavam no limbo. Também os portugueses não têm direito à inocência, mesmo depois de investigados ficam numa espécie de limbo judicial e a sua vida íntima deverá ficar em ficheiro, porque todos somos pecadores e mais tarde ou mais cedo iremos voltar às malhas da lei.
Temos ficha na Saúde, Nas Finanças, no Registo e parece que décadas depois do fim das famigeradas fichas na PIDE voltamos a ter uma ficha com informações a nosso respeito. Só que desta vez com maiores recursos e envolvendo tudo e todos. Quem acede a esta informação, durante quantos anos é guardada, quem gere, em que formato está guardada, quais os que determinam o que é "considerado relevante"? Está protegida contra as fontes da violação do segredo de justiça? Pode ser acedida pelos titulares das fichas? Um cidadão pode dirigir-se ao MP para consultar a sua ficha, no caso de existir?
É contitucional o MP ter o direito de "considerar relevante" informação relativa a um cidadão sem que este tenha cometido qualquer criem ou seja suspeito disso, só porque se considera que qualquer cidadão pode vir a cometer um crime e essa informação vir a dar jeito? Quais os limites para a recolha de informação "considerada relevante"? Quem no MP tem o poder para decidir que a informação é "considerada relevante"?