segunda-feira, junho 06, 2011

O dia de todas as dúvidas

Depois da direita ter feito a festa e superada a ressaca chega a hora das dúvidas e esta são muitas. Todos sabemos que o governo não vai ter os prometidos dez ministros, que o programa eleitoral do PSD já foi arquivado, que a revisão constitucional proposta pelo PSD é inviável, alguns intervenientes mais activos regressarão aos seus escritórios onde ganham muito mais do que ganhariam como governantes. Agora Passos Coelho terá de ser primeiro-ministro e carregar o fardo de que livrou, um passarinho saiu da gaiola para a liberdade, outro entrou para a gaiola para um cativeiro que se espera ser de quatro anos. Agora é tempo de responder às muitas dúvidas.

Qual o papel de Cavaco na formação do governo?

Se o PSD tivesse alcançado a maioria absoluta Passos Coelho teria vencido Cavaco Silva mas dependendo do seu partido estaria mais exposto à influência de Cavaco e da ala cavaquista, a não ser que tenha feito um acordo de bastidores o líder do PSD terá mais liberdade para formar governo pois em vez de negociar com os cavaquistas terá de negociar com Paulo Portas. O pior cenário para Cavaco seria um parlamento onde a direita não tivesse maioria, mas este também é o cenário onde o seu protagonismo será menor. Irá Passos Coelho convidar um cavaquista para ministro das Finanças ou opta por representar o cavaquismo numa pasta de menor importância?

Como serão as relações entre Passos Coelho e Alberto João?

Alberto João teve uma vitória amarga, o PSD ganhou mas ao não conseguir a maioria absoluta não estará sujeito À chantagem dos deputados do PSD madeirense. Em vez disso Passos Coelho terá de entender-se com Paulo Portas, um velho adversário político de Alberto João. Isto significa que na hora da austeridade Passos pode dizer a Alberto que também terá de apertar o cinto e no momento de aumentar os impostos pode dizer à Madeira que os terminaram os abusos na zona franca.

Qual será o peso de Portas no futuro governo?

Portas não vale pelos deputados que Passos Coelho precisa para ter a maioria absoluta, vale a própria maioria absoluta, mas também vale a carta de alforria de Pedro Passos Coelho em relação a Cavaco Silva e Alberto João. Passos Coelho recusou uma AD para não ter de manter o grupo parlamentar do CDS no pressuposto de que este partido teria menos deputados e perdeu, o CDS ganhou deputados e isso significa que Paulo Portas parte para negociações em situação de vantagem, Passos Coelho pagará com juros a recusa da AD. Portas vai ter tantos ministros quantos quer, vai ter as pastas que deseja e vai gerir a sua participação na coligação apostando no seu crescimento, deixando as pastas difíceis ao PSD.

Qual a postura do PS?

A situação do país não permite que o PS imite o que o PSD fez nos últimos anos tentando salvar-se à custa do país. A situação é de crise e se faz sentido que o PS assuma o papel de oposição, deve igualmente afirmar-se como oposição construtiva não caindo na tentação de ter nas ruas a maioria que tem no parlamento, fazendo o que o PSD fez nestes anos em que colocou a sua máquina logística ao serviço da esquerda conservadora.

Qual o futuro do Bloco de Esquerda?

O BE mostrou ser aquilo que sempre foi, um vazio de ideias, a ausência de qualquer projecto político, a única coisa que move o BE é uma estratégia de destruição do PCP e do PS com recurso a manobras e golpes baixos. Agora corre o risco de extinção, a direita já não precisa dos seus serviços, as televisões vão dispensar os seus animadores e até o PCP vai fugir de Louçã como se este fosse sarna e aguardar que os desiludidos da extrema-esquerda solicitem a sua inscrição como seus militantes de base.

A próxima legislatura chegará ao fim?

O país só tem a ganhar com legislaturas que chegam ao fim e com governos maioritários. Todavia, a convivência entre PSD e CDS não será fácil tudo dependendo da evolução da situação económica e financeira do país. Se tudo correr bem o CDS não quererá que o PSD o dispense para a próxima legislatura, até porque Paulo Portas parece sentir-se mais tranquilo no poder. Mas se o governo enfrentar dificuldades poderá não se sabe qual será a estratégia de Paulo Portas.

A justiça voltará ao sossego?

Durante anos a vanguarda da oposição a Sócrates foram as magistraturas e a pergunta da jornalistazinha da RR faria algum sentido se não se tivesse equivocado nos processos que referiu pois não é o Caso Freeport que está a ser investigado mas sim o dos submarinos e o do caso BPN. Passos Coelho defendeu durante muito tempo a demissão do PGR, veremos se agora concretiza essa exigência ou prefere a pacificação das magistraturas.
O que fará agora a comunicação social?

Durante os últimos anos a comunicação social especializou-se em aumentar as audiências atacando Sócrates, transformando a política portuguesa num tiro ao boneco. Agora a orgia acabou, ainda que alguns jornalistas, como a pequena da RR, alimentem a esperança de ainda conseguirem uns momento à custa de Sócrates. Como farão para manter as audiências? Durante algum tempo alimentarão o período de graça de Passos Coelho, mas mais tarde ou mais cedo perceberão que o bolo da RTP não dá para todos, que Balsemão impedirá a criação do quarto canal deixando a Cofina sem uma estação de televisão e que o elogio do primeiro-ministro não alimenta audiências. Não é a primeira vez que a comunicação passa por este mau bocado, da última vez que isso sucedeu foi o Caso Casa Pia, que ainda se arrasta nos tribunais, que a salvou do marasmo. O que sucederá desta vez quando o PSD descer nas sondagens e a comunicação social estiver com falta de matéria-prima?

O que sucederá no PS?

O PS vai provar o pão que o diabo amassou, pela frente estão quatro anos de oposição e a não ser que Passos Coelho não desista da sua revolução liberal é certo que mais tarde ou mais cedo o ciclo económico conduzirá ao crescimento económico e isso pode significar mais quatro anos de oposição ao PS. António José Seguro e outros esperaram a queda de Sócrates nunca sujando as mãos apoiando-o de forma clara. Agora recebem um presente envenenado, uma longa travessia no deserto e algumas derrotas eleitorais anunciadas.

Como se entenderá Passos Coelho com a sua clientela autárquica?

Passos Coelho chega à liderança do PSD mais com o apoio dos autarcas do que das elites da capital que sempre o rejeitaram e consideraram um incapaz. Agora é primeiro-ministro e uma das grandes reformas que terá de implementar, porque é inadiável e resulta de uma imposição do acordo, é a do ordenamento do território. Estando na oposição seria mais fácil alimentar a revolta ruralista contra a extinção de autarquias, sendo governo terá de assumir as responsabilidades. É mais difícil reformar do que alimentar manifestações populistas contra todas as reformas e Passos Coelho arrisca-se a pagar com língua de palmo muito do que fendeu no passado recente em domínios como o encerramento de pequenas escolas, a extinção de serviços de saúde arcaicos ou as SCUT.

Onde estão os defensores da unidade nacional?

Quando acreditavam na derrota do PSD o Expresso lançou uma brigada do reumático a defender um governo de unidade nacional que até foi recebida em Belém. Agora que a direita alcançou a maioria absoluta desapareceu, ninguém os viu na noite eleitoral.
 
Passos Coelho cumpriu o sonho de Sá Carneiro?

Aparentemente sim, mas nem Passos Coelho tem a estatura política e intelectual de Sá Carneiro nem Cavaco Silva será o presidente banana que o falecido líder do PSD desejava. Sá Carneiro era primeiro-ministro e queria escolher o Presidente da República, agora é Cavaco que é Presidente da República e escolheu o primeiro-ministro. O que Sá Carneiro pretendia era deter o poder do executivo e controlar o Presidente da República, agora é Cavaco que tem a Presidência da República e quer controlar o poder executivo. Será Pedro Passos Coelho o equivalente ao banana que Sá Carneiro queria em Belém? Quem cumpriu o sonho de Sá Carneiro foi Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho poderá vir a ser o Soares Carneiro de Cavaco.