segunda-feira, junho 13, 2011

Um novo regresso aos campos?

O ruralismo como proposta económica de procura da auto-suficiência alimentar não é uma novidade em Portugal, foi um traço dominante do Estado Novo entre 1926 e 1950. Hoje não faria sentido e a sua transposição para um mercado único conduz à necessidade de especialização e de promoção das exportações.

«A principal potencialidade do interior está, no entanto, no espírito que caracteriza as suas populações, as gentes desta terra. A garra indomável e a força de vontade dos Portugueses do interior devem servir de exemplo inspirador para todos nós. A sua frugalidade e o seu espírito de sacrifício são modelos que devemos seguir num tempo em que a fibra e a determinação dos Portugueses estão a ser postas à prova. Não podemos falhar. Os custos seriam incalculáveis. Assumimos compromissos perante o exterior e honramo-nos de não faltar à palavra dada.

É dessa fibra que é feito o nosso orgulho.» [Cavaco Silva, discurso do 10 de Junho]

Também não é novidade o elogio do homem do campo e a absorção por algumas ideologias da admiração pelo homem do campo por comparação com o homem da cidade, todos os que cresceram no antigo regime aprenderam isso com a fábula do rato do campo e do rato da cidade. Esta mistura de ruralismo com ideologias também não é um exclusivo nacional, Mao usou-a quando precisou de aprofundar a ditadura comunista e Pol Pot e os Kmers Vermelhos levaram-na ao extremo no Cambodja. Quando Passos Coelho, em Vila Real, apontou o campo como solução para o desemprego dos jovens imaginei hordas de jovens à rasca das cidades a caminho do campo de enxada às costas, entoando canções revolucionárias tendo à sua frente jovens esclarecidos e de vanguarda da JSD devidamente formados na universidade de Castelo de Vide.

Se bem me recordo os projectos agrícolas do tempo do cavaquismo governamental que melhor simbolizam os governos de Cavaco Silva foram as famosas estufas de Thierry Roussel, o quarto marido da falecida Cristina Onassis, em Odemira e a fábrica de açúcar de beterraba da DAE, em Coruche, ambos próximos do fim do último governo. Como se sabe as estufas receberam os subsídios, intoxicaram os terrenos e depois faliram, pouco mais restou do que os jantares de uma conhecida secretária de Estado de então no veleiro do ricaço, quando este acostava no Cais do Sodré. A DAE recebeu subsídios para ser construída, mal chegou a produzir e voltou a receber subsídios pra deixar de processar beterraba, agora é excedentária, vive de retirar contingentes de ramas às concorrentes e a última vez que deu nas vistas foi quando encheu os hipers de Belmiro de Azevedo com açúcar com cheiro a merda devido a erros no processo de produção e embalagem.

Dizer que se resolve o problema dos jovens desempregados com Trás-os-Montes e uma enxada é ignorar que os jovens dos meios rurais continuam a ir para as cidades. Fazer crer que é fácil aumentar a exportação de produtos agrícolas como resultado de uma aposta nas Beiras é iludir os portugueses.

A agricultura do século XXI já não é a dos anos setenta que Cavaco Silva ajudou a destruir em passo acelerado e desde então nada se apostou nas infra-estuturas, nas redes de comercialização, na investigação. O agricultor da enxada já não existe ou apenas sobrevive na agricultura de subsistência. O agricultor que poderá concorrer com as explorações, espanholas, holandesas ou francesas trabalha com computadores, estufas de alta tecnologia, laboratórios de biologia. As explorações de hoje já não são de mão de obra intensiva e as que carecem dessa força de trabalho, como sucede em Espanha, sobrevivem graças aos emigrantes, as explorações agrícolas de hoje são de alta tecnologia e de capital intensivo, não são estufas de plástico, mão de obra barata e muitos adubos e insecticidas como as do Thierry Roussel.

Sejamos honestos, a crise financeira não se resolve com a venda da RTP a amigo e pelo preço da uva mijona, nem a crise do sector agrícola se resolve com outra campanha do trigo, nem a desmotivação colectiva é resolvida com ruralismos e o elogio das virtudes do rural.

O país está mais moderno do que Cavaco Silva o deixou quando foi derrotado por Jorge Sampaio e é um problema demasiado sério para se pensar que se resolve com tiradas ideológicas confusas e fora do tempo.