Os prazos estabelecidos no acordo com a troika vão evidenciar mais algumas fragilidades dos nossos procedimentos eleitorais, mas também de uma Administração Pública que se tem vindo a degradar nos últimos vinte anos. A questão dos prazos eleitorais foi aflorado quando se desencadeou a actual crise política, com algumas personalidades a questionar o excessivo tempo que decorre entre a dissolução do parlamento e a entrada em funções do novo governo. Mas o problema não se fica por aqui.
Cada vez que se realizam eleições o Estado entra em hibernação durante meio ano e se essas eleições se realizarem no termo de uma legislatura ou na sequência de uma crise política prolongada como agora sucedeu, teremos de acrescentar mais alguns meses de inércia governamental e Estatal. Quando se avizinham eleições os gabinetes, os seus governantes, chefes de gabinete, adjuntos e assessores começam a arrumar as prateleiras e a tratar da sua vida, os governos quase deixam de governar e assiste-se a uma fuga colectiva, pois mesmo que o partido no poder ganhe as eleições é certo que haverão mudanças governamentais. O Estado fica paralisada, ninguém nos gabinetes atende os telefonemas, deixam de ser tomadas decisões.
Quando um governo cessa funções os corredores dos gabinetes governamentais assemelham-se às falsas povoações construídas por Hollywood para realizar filmes de western, ficam desérticos, durante alguns dias serão os contínuos a tomar conta do país. As prateleiras ficam vazias, os discos dos computadores são limpos, é como se não tivesse existido qualquer governo, tudo começa a ser feito do zero. Quando Cameron ganhou as eleições no Reino Unido falou-se da brincadeira de um governante que encontrou na secretária um bilhete deixado pelo seu antecessor dizendo-lhe que não havia um tostão. Por cá nem isso, nem um tostão nem o bilhete.
Dir-se-ia que isto não seria problema se os novos governantes tivessem alguma experiência e optassem por escolher funcionários altamente qualificados para chefes de gabinete, adjuntos e assessores. Mas não é isso que sucede, a regra é uma parte dos novos governantes ser inexperiente e uma boa parte do pessoal dos gabinetes é gaiatagem cujo grande mérito é terem sido colegas de curso ou terem andado a beber uns copos com os novos ministros e secretários de Estado.
Mesmo assim a situação poderia ser superada que os altos dirigentes da Administração Pública fosse gente competente e com sentido de Estado como sucede em muitos países da Europa, Veja-se o que sucede em países com crises políticas quase endémicas como a Bélgica ou a Itália, tudo funciona mesmo sem governo. Por cá isso é impossível, desde há uns anos que os altos dirigentes da Administração Pública são escolhidos por critérios de confiança pessoal dos governantes e os seus mandatos cessam sempre que muda um governo. Uma boa parte dos directores-gerais são recrutados entre os amigos dos governantes e sabem que quando muda o governo serão substituídos, isso leva a que meses antes das eleições entre em letargia e assim se mantenham até que sejam reconduzidos ou substituídos pelo próximo governo. Nem mesmo quando o partido no poder vence as eleições a estabilidade está garantida, a escolha por critérios de confiança política deu lugar à confiança pessoal e quando o ministro muda também mudam muitos directores-gerais. Isto resulta em dirigentes cada vez menos competentes ou mais incompetentes e sem sentido de Estado pois não respondem perante ninguém para além do amigo que os nomeou.
Em vinte anos a gestão do Estado degradou-se, os gabinetes são constituídos à base de miudagem cara e incompetente, os altos dirigentes do Estado são cada vez mais incompetentes e como a politização das escolhas chega quase ao contínuo. E quando um novo governo toma posse assistimos sempre ao mesmo ritual, ao saneamento das chefias, à reestruturação dos serviços públicos para que este saneamento colectivo possa ser levado até ao chefe de repartição, não são só os projectos dos anteriores governos que vão para o lixo, é quase tudo o que o se estava fazendo nas direcções-gerais. Tudo isto junto significa quase um ano de paralisação do Estado.
Desta vez o próximo governo estará confrontado com os prazos do acordo com a troika, veremos como compatibiliza a bandalhice colectiva a que temos assistido na Administração Pública com o rigor e a exigência desses prazos.