No tempo da PIDE sabia-se quem eram os seus agentes, conheciam-se as regras do jogo, a organização tinha sedes e prisões, tinham rostos que assumiam as suas responsabilidades. Agora temos a sensação de que há uma PIDE que anda por aí, mas não sabemos quem são os agentes e dirigentes dessa imensa PIDE, não conhecemos as regras do jogo, não sabemos o que pode motivar a sua acção. Sabemos que a PIDE existe, não podemos nem devemos conversar livremente ao telefone porque as conversas podem ser usadas contra nós e nem mesmo um primeiro-ministro está a salvo de escutas.
Dantes existiam ficheiros na PIDE, alguém os autorizava, eram elaborados e ficavam devidamente arquivados, quando se deu o 25 de Abril os arquivos estavam devidamente organizados, uma boa parte das actividades da PIDE estava devidamente registada. Agora nada disto acontece, não há arquivos, não há registos, não se sabe quem espia, o que espia e quem autorizou essa actividade. Nem sequer se sabe se o agente está a investigar para um qualquer candidato a Salazar de pacotilha, se trabalha por conta de um patrão privado ou se está a adiantar trabalho para quando se passar para o sector privado. Aliás, nem se sabe muito bem se somos espiados por um agente secreto ao serviço do Estado, do Sporting ou do clube excursionista do nosso bairro.
Mas sabemos que somos espiados, sabemos que somos escutados, sabemos que existem fichas a nosso respeito, sabemos que os emails de todos os funcionários de uma instituição pública podem ser vasculhados por funcionários da IGF em busca de opiniões incómodas para um director-geral, sabemos que a Manuela Moura Guedes pode mandar sms ao primeiro-ministro com informação privada sobre alguém de quem não gosta, sabemos que um alto dirigente do Sporting pode ter fichas com informação sobre a vida privada de árbitros de futebol, sabemos que muitas empresas já adoptaram estratégias para evitar escutas.
Sabemos que eles, os novos agentes da PIDE, andam por aí, que podem usar equipamentos móveis de escutas não sujeitos a qualquer controlo judicial, que podem influenciar a escolha de governantes, que podem influenciar os resultados desportivos, que podem prejudicar concorrentes, que podem fazer chantagem sobre jornalistas incómodos, sabemos que a democracia é cada vez mais uma ficção e temos um presidente cuja maior predilecção é reflectir sobre a felicidade das vacas da Graciosa.
Sabemos que estes novos agentes da PIDE não têm regras, não têm princípios, não têm registos nem arquivos, não deixam rasto, actuam em total impunidade para chefes mafiosos que desconhecemos quem são. Entre a PIDE do passaod e esta PIDE que anda por aí prefiro a do passado, tinha princípos de que não partilho mas sempre eram princípios, tinham chefes, regras e responsáveis, davam a cara pelos seus actos. Estes não têm princípios, os chefes estão ocultos, não assumem a responsabilidade pelo que fazem.
É por isso que o facto de usar o termo PIDE justifica que faça um pedido de perdão aos agentes e antigos responsáveis da PIDE por algum mal entendido resultante deste post, a verdade é que por mais odiosos que tenham sido os seus métodos não o foram tão repugnantes como algumas coisas que temos sabido nos últimos tempos. É possível que Salazar pedisse informações à PIDE sobre alguém que pretendia nomear para o governo, mas a informação que recebia certamente era mais séria do que o sms que Pedro Passos Coelho recebeu e que serviu para que Eduardo Bairrão tivesse sido excluído do governo. É verdade que os agentes da PIDE não eram flores de cheiro, mas não eram responsáveis pela censura e não há memória de terem feito chantagem sobre jornalistas ameaçando-os com a devassa da vida privada.