Quem ouve o Gaspar há dois países, o país AG e o país DG, no
país antes do Gaspar era só desgraças, no país depois do Gaspar caminha-se para
a redenção, somos todos Alices. Desde que é ministro que tudo está em linha com
as previsões, todas as desgraças são sinais de que o paraíso está logo a seguir
à próxima curva, todas as desgraças são passos necessários para se ter direito
ao paraíso.
A formação profundamente católica do ministro (que deve ter
tido uma excelente nota a catolicismo na Universidade Católica) leva a que no
imenso laboratório social em que transformou o país tudo se explique por velhas
máximas, a austeridade resulta de comportamentos pecaminosos enquanto
consumidores, os sacrifícios levam à redenção.
Mas o que mais impressiona neste ministro é a total ausência
de preocupações sociais, o desprezo pelos seus concidadãos, é-lhe totalmente
indiferente que o empobrecimento forçado que escolheu para alguns os leve a
perder a casa, a deixar de ir à consulta, a tirar o filho da universidade ou a
deixar de comprar os medicamentos. O aumento brutal do desemprego só o preocupa
porque tem de monitorizar de perto a despesa com subsídios de desemprego,
talvez porque já tem preparado um corte nos subsídios ou a redução do tempo
durante o qual são pagos.
Mas felizmente o nosso ministro Gaspar tem o dom da
infalibilidade, se tivesse ido para padre toda a sua vida seria o treino desse
dom para o caso de vir a ser papa. Todos os indicadores conduzem ao sucesso da
sua política, seja o elevado nível da contracção da actividade económica ou o
aumento do desemprego. Tudo tem explicação científica, tudo estava previsto,
tudo está em linha com o previsto, o Gaspar nunca mente, nunca falha, nunca se
engana. Cede um pouco na questão do desemprego e diz-se surpreendido porque em
cinco meses teve de fazer três previsões da taxa de desemprego.
Graças ao Gaspar somos um povo feliz, podemos passar fome
mas damos graças a Deus porque essa fome é um pequeno castigo face aos pecados
que cometemos no tempo de Sócrates, podemos ir para o desemprego mas teremos aí
a oportunidade da nossa vida, talvez venhamos a ser donos de uma multinacional
de sandes de courato, podemos ter de fechar a empresa mas podemos ficar
descansados porque daqui a dois anos tudo será melhor.
O Gaspar nunca se engana, nunca disse que a recessão ficaria
abaixo dos 3% em 2012, que este seria o ano da inflexão e que em 2013 haveria
crescimento económico, que o desemprego ficaria abaixo dos 14%. O homem é um
técnico de mão cheia e de uma honestidade acima de qualquer suspeita, nunca se
engana e nunca aldraba.