segunda-feira, junho 11, 2012

Ser português


Sou funcionário público, cortam-me no vencimento, depois tiram-me os subsídios, entretanto aumentaram-me os descontos e o ministro das Finanças diz que estou empenhadíssimo em dar o exemplo de trabalhador incansável e apoiá-lo até à exaustão, mesmo sabendo que quando o rapaz se for embora eu ficarei tramado e ele vai continuar a receber subsídios no Banco de Portugal.
  
Sou desempregado, sugerem-me que passar fome, não ter com que alimentar os filhos, não saber como vou pagar as contas da água e da luz, ter de entregar a casa ao banco antes que não consiga pagar os impostos e o fisco a venda em leilão, entregar o carro por falta de pagamento das prestações, mas devo estar feliz e gritar de contente, graças ao desemprego o primeiro-ministro abriu-me as portas da felicidade, finalmente tenho a oportunidade de mudar de vida que enquanto estive empregado me foi recusada.
  
Perco uma quarta parte do meu rendimento, pago mais impostos quando vou às compras recebo menos salário depois de cobrado o IRS, pago mais quando vou ao hospital, não tenho qualquer futuro mas devo estar firme e hirto, gritar ao Passos Coelho “bate, bate, bate!”, tal como o participante do programa  da SIC gritava “põe, põe. Põe!”, apelando ao apresentador para lhe meter a iguana em cima da careca a troco de um prémio. Mesmo sem o prémio do careca sou tudo menos piegas.
  
Sou jovem, acabo um curso universitário depois de uma vida de estudo e o primeiro-ministro sugere-me que parta, que estou a mais no meu país, que me faça ao caminho e me desenrasque, no meu país deixou de haver lugar para jovens e assim sendo o melhor é mesmo partir, se com a reduzida taxa de natalidade o país já está velho, com a expulsão em massa dos jovens é caso para recear que o país se transforme num imenso lar de velhos, doentes, sem pensão e governado por idiotas.
  
Leio o jornal e fico a saber que a jornalista foi alvo de chantagem por parte de um ministro, ligo a televisão e fico a saber que um bispo que criticou o governo viu ser divulgada num jornal (de um grupo interessado na RTP) de informação falsa sugerindo que o bispo é um reformado rico, aos motivos económicos para fugir do país começam a haver sinais de que lá fora se respira melhor.
  
No fim de tudo isto o primeiro-ministro diz que sou simpático, manso, que estou disposto a ser escravo do patrão, que enquanto cidadão sou a coisa mais parecida com um corno manso. Diz-me que devo ser cobarde e que não devo exigir o respeito pelos meus direitos mais elementares para que a Merkel se convença de que sou cobarde. Tenta animar-me garantido que tudo está muito melhor do que na Grécia para que os amigos da troika não sejam condenados pela desgraça em que está a economia portuguesa, sou forçado a participar nesta encenação em que todo um país dá graxa à Merkel.
  
É isto que neste momento é ser português?