Se os cravos de Abril começaram a murchar muito depressa houve uma espécie animal oportunista que floresceu ao longo destes 40 anos em todos os domínios da sociedade portuguesa e que dominam a vida do país. Aos poucos foram-se instalando, desenvolvendo subespécies especializadas normais diversos domínios, desde a economia ao jornalismo, até que o seu domínio é tão grande que se fica com a sensação de quem sem eles o país não sobreviveria.
É uma espécie omnívora que se alimenta de qualquer fonte de rendimento, cada subespécie destes cravas especializou-se a desviar uma parte da riqueza do país em proveito próprio. Acontece com os cravas o mesmo que com algumas espécies vegetais que para atraírem os insectos apresentam formas, perfumes e cores deslumbrantes. Também os nossos cravas são bem falantes e até parece que sabem muito do que falam, vestem bem, em vez de barbeiros recorrem aos serviços estéticos de cabeleireiros. Alguns até são híbridos conseguindo mudar da política para a advocacia, desta para a gestão de empresas de onde até conseguem dar o pulo para a comunicação social. São estas qualidades que a tornaram numa espécie de mimosas da sociedade portuguesa.
A advocacia tem sido um terreno fértil para os cravas até porque beneficiando do estatuto da classe disfarçam melhor a origem dos rendimentos. Os advogados políticos multiplicaram-se, o parlamento não passa de uma sala de estar de um clube de advogados, os gabinetes governamentais estão cheios de jovens advogados representando os seus escritórios. O sucesso destes cravas tem sido tão grande que o Estado quase deixou de ter quadros em lugares de decisão pois foram substituídos pelos cravas dos grandes escritórios especializados em pareceres.
O jornalismo já quase o deixou de ser, começa a ser difícil distinguir entre um jornalista e um crava, quando algo é noticiado nunca sabemos se é uma novidade ou mais uma manobra de um crava exercendo a sua actividade parasitária sob a forma de disfarce. Aliás, há mesmo muitos cravas que nem sequer disfarçam o que são, vindo de escritórios de advocacia, de gabinetes de empresas ou de austeras universidades exercem as funções de cravas na comunicação social sem qualquer pudor.
Mas tem sido na política que os cravas têm tido mais sucesso, ainda que na maior parte dos casos consigam ser cravas em regime de acumulação, são advogados e deputados, gestores e consultores presidenciais ou mesmo banqueiros e políticos rascas. Quase todos os cravas passam pela política que está para eles como Meca está para os muçulmanos, têm de lá ir pelo menos uma vez, uns são mais activos e até podem ter a sorte de num dia ganharem dinheiro com acções duvidosas e no outro dia serem presidentes.
Mas os cravas têm conseguido chegar a todos os cantos da sociedade, há cravas na universidade ou os que sem lá irem conseguem cravar um canudo numa qualquer ciência tão duvidosa quanto eles, há cravas nas fundações financiadas por mercearias, há cravas na cultura a exportar obras de arte pela calada da noite, há cravas por tudo quanto é lado. São os cravas de Abril, gente que detesta a democracia mas a parasita, gente que nunca teria enriquecido ou chegado aos altos cargos nacionais ou internacionais sem essa democracia que detestam e à qual atribuem muitos defeitos.