Nunca fui um admirador da honestidade de Cavaco, não era daqueles que diziam que ele era isto e aquilo mas em matéria de honestidade metiam as mãos no lume. Nunca tive a mais pequena consideração técnica ou política pela personagem, sempre nutri por ele o maior dos desprezos, sempre o considerei um grande responsável pela má classe política que se instalou, pela proliferação dos Loureiros e dos Oliveiras e Costas no país, pela adopção de um modelo de desenvolvimento que atrasou o país, que perdeu as oportunidades oferecidas pela integração europeia e o conduziu à actual crise.
Mesmo assim este senhor ainda me conseguiu surpreender e de duas formas, é menos inteligente ou mesmo bem mais burro do que eu alguma vez imaginei e é bem pior e mais incompetente do que alguma vez consegui pensar.
Não revelou grande inteligência porque se o que pretende é dividir o PS com este discurso não só condicionou todos os que poderiam estar dispostos a aceitar os trinta dinheiros do Passos, como uniu ainda mais aquilo que era impossível unir. Foi a estratégia manhosa de Cavaco que desde a primeira hora marginalizou o PCP e o BE para deixar o PS numa posição de submissão à direita que levou aqueles partidos a reequacionar a sua posição em relação a um governo de Costa.
Cavaco resolveu reduzir a democracia portuguesa a uma ópera bufa, não expulsa partidos do parlamento porque não pode, mas usa abusivamente os poderes que tem e ignora os fundamentos constitucionais da democracia para reduzir os direitos políticos de cidadãos e partidos. Cavaco confundiu o papel de presidente com o de um qualquer juiz de um tribunal plenário e decidiu adoptar medidas de segurança ilegais em relação ao PCP e ao PS. a democracia de Cavaco é uma versão soft dos tempos de Marcelo, os comunistas estão no parlamento mas só para fazer de conta e o PS deve ser a ala liberal do regime, criticar de vez em quando e aproar sempre as decisões do governo da quase extrema-direita.
Se o objectivo de Cavaco era ajudar a direita fê-lo da pior forma, ninguém bem formado pode aceitar esta solução e só mesmo com um sorriso cínico no rosto como fez Manuela Ferreira Leite se pode elogiar este comportamento. Cavaco uniu ainda mais a esquerda e o próprio PS e conduziu o país para uma crise política bem mais grave do que aquela em que já vivia. Cavaco fez o país regressar aos anos setenta ao adoptar um discurso que é em tudo o equivalente ao famoso discurso que o general Vasco Gonçalves proferiu em Almada no longínquo ano de 1975. Um discurso ideológico e que chama a si o poder de decidir com base nas suas convicções ideológicas, políticas, religiosas e partidárias como se estivesse acima da Constituição.
Cavaco não percebeu que não é por Passos Coelho aparecer com ele vestido de polícia de choque na entrada do largo do Rato que Costa se vai mijar pelas calças abaixo e aceitar o falso consenso que anda a tentar impor ao PS desde há quatro ano. Com este discurso miserável Cavaco destruiu alguma credibilidade que ainda poderia ter e ao sugerir que não nomear um governo de esquerda até ás presidenciais colocou a candidatura presidencial de Marcelo em maus lençóis.
Cavaco está convencido de que a direita tem as presidenciais no papo e que numas legislativas antecipadas consegue a maioria absoluta. Veremos se o golpe de Cavaco resulta, se o país vai ou fundo antes ou se Passos leva a direita para um beco sem saída. Para já o país parece caminhar para uma situação de excepção democrática com um presidente de cujas capacidades muitos duvidam e que por ódio ou falta de lucidez parece ter declarado guerra à esquerda, pouco se imortando com as consequências.
PS: Anibalismo: regime autoritário de direita dirigido por anibais.