Depois desta bebedeira colectiva e depois de dar o tudo por tudo a direita vai ter de desmontar o cenário que montou, substituindo as ilusões pela realidade e esta é bem risonha do que alguns pretendem. É muito provável que sem o colinho do BCE o país estaria mais do que à beira de um segundo resgate e mesmo depois da saída limpa os senhores da Troika não tardarão aparecer por aí para dizer ao governo o que deve fazer.
O país não fez grandes reformas e as que supostamente fez não resultaram, é o caso da reforma laboral que não atraiu um único investimento, nem criou um único emprego, o sacrifício dos funcionários e dos pensionistas não alterou nada nas contas públicas numa perspectiva de longo prazo e a economia está como estava, excepto no que se refere à propriedade da EDP e da REN, que agora falam mandarim e contam com o apoio de tradutores oportunistas como o professor catedrático a tempo parcial 0%.
O défice orçamental está acima do esperado e não se antevê como vão aumentar as receitas fiscais sem um dos habituais perdões fiscais de Dezembro, depois de processarem as várias centenas de milhões de euros de IVA que está abusivamente retido ocorrerá uma quebra de receitas e será desfeita a famosa ilusão do reembolso da sobretaxa. Isto significa que quem usou o simulador do reembolso da sobretaxa vai perceber que foi enganado com o mesmo truque com que a VW enganou os americanos. Passado o período eleitoral os credores vão voltar a falar e não deverão ter nada de bom para nos dizer.
E como se tudo isto fosse pouco ainda falta resolver um grande problema chamado Novo Banco, o que resta do BES vale cada vez menos, para evitar consequências eleitorais Passos Coelho mandou o Ti Costa correr com os potenciais compradores. Agora não tem ninguém a quem vender o banco e tem duas alternativas, ou tenta vendê-lo por um preço ainda mais baixo do que o que foi oferecido pelos chineses, ou deixa o banco e o prejuízo entregue ao fundo de resolução e leva os bancos privados à bancarrota ou procede à sua nacionalização. O país vai pagar com língua de palmo a amizade entre Passos e Ricciardi e a forma como o governo actuou face ao problema do Grupo ES.
Com maioria absoluta o governo diria que o povo tinha legitimado as suas políticas de austeridade e volta a tirar o escalpe aos portugueses, sem essa maioria pode dizer que a sua política foi legitimada, mas dificilmente terá condições para a implementar. Portugal vai viver em crise política até às próximas eleições presidências e a estratégia da direita é desde a primeira hora apostar na crise política e em eleições antecipadas. Mas para isso precisará de ter um presidente à medida do actual.
Também na justiça os procuradores que tudo fizeram para criar uma realidade que ajudasse a direita a chegar ao poder vão ter agora de apresentar as provas que dizem ter para que não só as possamos comparar com tudo o que foi dito nos jornais com supostas fugas de informação, mas principalmente para percebermos se o procurador Rosário e o juiz Alexandre são mesmo magistrados ou se são antes uma espécie de quinta coluna da direita na justiça portuguesa.
Depois de tantas ilusões e mentira em todos os domínios da sociedade portuguesa é bom que saibamos qual o défice das contas públicas, a situação real do Novo Banco, a verdade nos processos judicias em curso, se a sobretaxa vai ser mesmo reembolsada ou se o governo tem mesmo a intenção de repor os vencimentos no Estado. Que seja bem-vinda a Dona Realidade, uma personagem certamente mais honesta do que os governantes ou os magistrados.