Se me abstraísse dos programas e propostas diria que sou mais liberal do que José Sócrates e em teoria estaria próximo de Pedro Passos Coelho. Mas isso só em teoria porque o meu conceito de liberalismo é muito diferente do liberalismo do líder do PSD.
Não sou liberal para desnatar o Sistema Nacional de Saúde entregando os negócios rentáveis aos grupos privados, não sou liberal para privatizar a RTP e entregá-la à Cofina, não sou liberal para reduzir a TSU à custa do aumento do IVA sobre o cabaz de compras dos mais desprotegidos, não sou liberal para financiar as escolas privadas com o dinheiro dos contribuintes.
O meu liberalismo é bem diferente do de Pedro Passos Coelho, começa na discussão dos mercados e não na distribuição dos proveitos. Não me parece que os mercados funcionem melhor só porque uma empresa pública que detém um monopólio seja privatizada, continue sendo um monopólio limitando-se a explorar a situação em favor dos seus accionistas.
Veja-se o que sucedeu com a privatização da banca, os bancos privatizados proletarizaram os seus empregados, desviaram o crédito para segmentos mais rentáveis como o consumo ou a habitação em detrimento do financiamento da economia, multiplicaram as off-shores e promoveram-nas junto dos seus clientes mais ricos para partilhar os lucros da fuga colectiva aos impostos, transferiram os negócios mais volumosos para as off-shore, passaram a cobrar pequenas fortunas em comissões por serviços às empresas e multiplicaram o esquemas para minimizarem os impostos que pagam. O país ganhou muito pouco com a privatização da banca e o endividamento colectivo do país deve muito à estratégia de enriquecimento fácil dos banqueiros. Como se tudo isto fosse pouco montaram um esquema oligopolista e passaram a funcionar como escola de novos políticos ou como recuo de políticos retirados definitiva ou temporariamente.
Um liberalismo que não começa por se preocupar com a concorrência nos mercados é um liberalismo oportunista, porque um mercado selvagem, sem regras e sem concorrência não é mais do que uma imensa máquina de extorsão da riqueza de todos por uns quantos que detêm o poder económico. O PSD questionou a concorrência nos mercados? Não, está mais preocupado em alterar as regras de nomeação dos responsáveis pelos organismo reguladores. Para assegurar que há mais concorrência ou para gerir o imenso poder desses organismos?
Em matéria fiscal sou bem mais conservador do que o actual PSD por mais que este exija que o Estado seja tratado no Talon, sempre aqui defendi que os défices devem ser uma excepção e os meus valores não se aplicam ao governo da República, não admite excepções para a Madeira. Mas enquanto Pedro Passos Coelho criticava os cortes dos apoios sociais ou exigia orçamentos que apostassem no crescimento eu defendi aqui que eram necessárias medidas de redução da despesa. Aliás, a posição de Passos Coelho em relação aos orçamentos é curiosa pois critica-os sempre por não apostarem no crescimento e depois defende cortes nas despesas correntes e põe em causa todos os investimentos públicos.
Pessoalmente não sou a favor da gratuitidade do SNS, essa gratuitidade quase total gera deseconomias no sistema que são mais do que evidentes e que combinadas com a ausência de combate ao desperdício leva a que a despesa da saúde se torne incontrolável. É por isso que fui a favor das taxas moderadoras nas cirurgias mas Passos Coelho foi contra, fui a favor do fim da manutenção de serviços arcaicos a par de hospitais modernos mas Pedro Passos Coelho foi contra.
A direita portuguesa divide-se entre o intervencionismo herdeiro do corporativismo e o liberalismo oportunista. Quando governa e é intervencionista veste a capa recorrendo a privatizações que depois se revelam oportunista, os bancos são para os amigos e tornam-se fonte de apoio financeiro ao poder, as televisões privadas são entregues à direita para a ajudar a manter ou a recuperar o poder, como temos visto nos últimos tempos. Quando é liberal torna-se oportunista acabando por ser mais intervencionista que qualquer URSS, transforma os monopólios públicos em empresas privadas sem risco nos negócios num mercado monopolista ou oligopolista que desvia a riqueza dos portugueses para uns quantos privilegiados.
É por isso que Pedro Passos Coelho não me convence, por detrás de cada uma das suas propostas é fácil ver os interessados a espreitar, e os interessados não são os doentes que vão ao SN, os desempregados ou os alunos das escolas públicas que gostariam de andar em escolas privadas. São os interesses do costume. Ainda não é desta que a direita me convenceu.