A intervenção de ontem do Presidente Cavaco Silva foi desnecessária a não ser que seja entendida como a comunicação de um dos ex-presidentes do PSD presentes no jantar de Santa Maria da Feira ou como um esforço para melhorar a sua imagem.
Como era de esperar o discurso permite uma interpretação no sentido de ser um claro apoio eleitoral ao PSD, a mensagem subliminar que transparece ao longo de todo o discurso é “mudar”, coincidência ou não, é o refrão do jingle anedótico da campanha de Pedro Passos Coelho.
«De uma forma muito clara, quero dizer aos Portugueses que, se não mudarmos, estaremos, daqui a três anos, ou até antes disso, pior do que nos encontramos hoje.»
E depois de apelar à mudança e de dizer o que terá de se fazer recorda os bons tempos da governação do PSD:
«Já houve um tempo em que Portugal projectava no exterior uma imagem prestigiada de Estado cumpridor e rigoroso, em quem os investidores acreditavam e confiavam.»
Se retirarmos do discurso as banalidades do costume, as habituais referências auto elogiosas e as palavras de circunstância fica-se com a ideia de tudo tem de mudar.
Quando se sabe que quem protagonizou as negociações entre o PSD e a troika que, aliás, não chegaram a acontecer porque este partido preferiu fazer perguntas insidiosas, foi Eduardo Catroga, percebe-se até que ponto Belém está envolvido numa tentativa de mudança que parece ter começado com um estranho chumbo do PEC e pela dissolução do parlamento.
Este alinhamento do discurso oficial de Cavaco Silva com a estratégia eleitoral do PSD não é novidade, quando Manuela Ferreira Leite se candidatou a primeiro-ministro houve um claro alinhamento do discurso da “verdade” entre a líder do PSD e o Presidente da República. Esse alinhamento foi bem mais longe e ao discurso da “asfixia democrática” correspondeu em Belém as suspeitas de escutas mandadas fazer pelo governo. Agora Pedro Passos Coelho fala em mudar tudo e mais o governo e Cavaco Silva passou a ter a palavra mudar no centro das suas intervenções.
Já no discurso de posse a palavra mudar esteve bem presente e sempre de forma a permitir muitas interpretações:
«Os cidadãos devem ter a consciência de que é preciso mudar, pondo termo à cultura dominante nas mais diversas áreas. Eles próprios têm de mudar a sua atitude, assumindo de forma activa e determinada um compromisso de futuro que traga de novo a esperança às gerações mais novas.»
O mesmo voltou a suceder na mensagem de Ano Novo:
«Não iludir a realidade é um sinal positivo e uma atitude responsável, pois representa o primeiro passo para mudar de rumo e corrigir a trajectória.»
Este apelo sistemático à mudança por parte de Cavaco Silva traz-me à memória os versos de António Aleixo:
Vós que lá do nosso império
Prometeis um mundo novo,
Calai– vos, que pode o povo
Querer um mundo novo a serio.
Cavaco Silva tanto apela à mudança que corre o sério risco de levar o povo a pensar numa mudança a sério, mudar o político que mais gastou e menos fez, o político que mais tem usado a Presidência da República e menos lhe tem dado, o político que mais tem sido um factor de crise política.