sexta-feira, julho 20, 2012

Quase tudo gente honesta


Junto-me à indignação do ministro da Justiça e de comentadores como Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa, o governo não é corrupto. Para se poder acusar o governo de corrupto teríamos de estar perante o trânsito em julgado de um governante, de vários governantes ou do governo no seu todo por um crime de corrupção. Ora, em Portugal tal condenação para além de ser meramente teórica e especulativa só seria possível daqui a mais de dez anos, isto é estaríamos mais perante uma condenação histórica do que jurídica, nessa altura já o Paulo Portas teria netos.
  
Um dos aspectos mais curiosos deste debate é que os distraídos comentadores e o próprio ministro das Finanças consideram que os valores éticos e morais do país são os definidos no Código Penal. Coincidência das coincidências todos estes rapazes eram opositores do aborto e nunca avaliaram as mulheres que abortam segundo os preceitos do Código Penal, condenaram-nas com base nos seus valores religiosos.
  
Em Portugal a moral, a ética e todos os valores que nos definem enquanto seres sociais e socializados não decorrem dos nossos valores, da educação que recebemos ou dos nossos valores cívicos, tudo está reduzido ao código penal, somos homicidas depois do crime provado e após o trânsito em julgado. Isto é, não há canalhas porque a canalhice não está prevista no Código Penal, das mesma forma estão cheios de sorte os filhos da puta, os xulos e muitos outros espécimes que a qualquer momento podem dizer que por enquanto ser filho da puta não é crime.
  
Veja-se o caso do exemplar e ilustre dr. Relvas, a primeira coisa que disse não foi que a sua licenciatura corresponde ao que os portugueses pensam de uma licenciatura, uma qualificação que além das aptidões profissionais adquiridas demonstra que o seu possuidor foi alguém que se dedicou ao estudo e que mereceu o grau depois de o demonstrar inequivocamente em exames. Os exames foram a treta que se percebeu, o currículo era uma anedota, mas o ilustre dr. Relvas veio logo dizer que o seu diploma foi conseguido de acordo com a lei em vigor, era o equivalente académico ao ouro legal.
  
Quando alguém trai os seus valores não é um traidor, é um cidadão exemplar e com direito a um lugar no céu porque não violou qualquer norma do Código Penal. Quando alguém engana dois milhões de eleitores não é um aldrabão, é um político exemplar porque no Código Penal não há qualquer norma condenado políticos aldrabões e terminada a legislatura até pode pedir uma pensão vitalícia por conta dos serviços prestados à pátria.
  
O mesmo governo que reagiu ao bispo das Forças Armadas como se fossem virgens ofendidas teve a distinta lata, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, de justificar os cortes dos vencimentos dos funcionários públicos (e dos pensionistas) porque eram responsáveis pelas despesas do Estado. Portanto, até transito em julgado por condenação por corrupção os ministros e os governos não são corruptos. Mas os funcionários públicos e os pensionistas são corruptos e devem ser condenados a cortes nos vencimentos porque foram eles que compraram os submarinos, que roubaram no BPN, que compraram os carros de combate que estão enferrujando. São tão corruptos que foram condenados sem qualquer julgamento ou direito a defesa e devem ser acusados publicamente dos seus crimes por um ministro tido por um santo homem, cumpridor de todas as obrigações cristãs com excepção da procriação e que é conhecido por ser honesto acima de qualquer suspeita.
  
Corruptos são, os portugueses esses malandros que compram submarinos sem ter dinheiro e que levaram o país à falência por gastarem o que não tinham e quando se gasta o que não se tem isso significa que roubaram. É por isso que o governo distinguiu os portugueses em dois grupos, os banqueiros foram cidadãos exemplares e são ajudados, os patos-bravos têm direito a bolsas de horas de trabalho escravo e a despedir  por inaptidão as operárias que não queiram ser suas prostitutas privativas. Para todos os outros sobrou uma condenação a mais impostos, cortes salariais e desemprego. Os ministros são todos honestos, malandros são os do rendimento mínimo e os desempregados porque não querem trabalhar.
  
Volto a contar a anedota do compadre que foi apanhado numa rusga a um bordel, uma das meninas desculpou-se dizendo que era manicura, a outra era cabeleireira até que o nosso amigo exclamou "querem ver que a puta sou eu?". Portas é um cavalheiro desonesto, o filho da puta que comprou os submarinos que agora são pagos com subsídios são os enfermeiros que o Paulo Macedo está a contratar a trezentos euros por mês!