quinta-feira, agosto 02, 2012

Mestre é o teu pai


A Vila Real de Santo António da minha infância era uma terra de muitos mestres, mas não eram mestres em direito ou com o MBA XPTO da Católica/Nova/MIT, eram mestres das fábricas de conservas de peixe, das oficinas e das traineiras. Os únicos mestres nas escolas eram os mestres de trabalhos oficinais já que a escola loca, era uma das antigas escolas industriais e comerciais.
  
Se hoje ser doutor justifica as maiores vigarizes quando o nível intelectual está entre o do deficiente e o do imbecil, com um pedido de desculpas para ambos, e ser mestre é quase como ser bispo da Igreja, naquele tempo os mestres estavam no topo social dos mais pobres e um degrau abaixo do primeiro degrau dos mais ricos. É por isso que ser mestre na escola não justificaria um pedido de equivalências, os mestres das escolas industriais não eram doutores nem ricos.
  
Sendo uma terra de castas a cada café no centro da vila correspondia uma determinado tipo de clientela do mesmo estatuto social. O Café Império era o café do regime, por lá parava desde o Baía da PIDE aos notáveis da terra, ali se concentravam em amenas cavaqueiras (um pouco como se estivessem na Quinta da Coelho) enquanto as suas dignas esposas estavam na missa.
  
Um dos mais “distintos” clientes era um mestre de trabalhos oficinais, tinha a pronuncia com sotaque menos acentuado, não usava os mós, nem trocava as ordenes rigorosas da gramática portuguesa, falava como se fosse de Coimbra. Mas tinha um problema, transportava a chaga de ser mestre, ninguém poderia adivinhar que um dia os mestres não teriam fedor a sardinhas nem cheirariam a ferrugem, ser mestre era uma desvantagem.
  
É por isso que sempre que um aluno tratava o tal senhor por “Mestre” ouvia invariavelmente a resposta “Mestre é o teu pai”, versão local da famosa expressão “manso é a tua tia”. O ilustre professor de trabalhos oficinais tinha pela palavra mestre a mesma aversão que todos deverão ter ao estatuto de corno na versão de manso.
Como mudam os tempos, se dantes a designação de mestre desencadeava tanta frustração social, agora há quem esteja disposto a entrar num barril de alcatrão e ser coberto de penas de frango de aviário só para ser doutor e ser tratado como tal, quando agora o estatuto de doutor está um degrau abaixo do que antes era o mestre da traineira ou da escola.
  
Aliás, toda este debate em torno do elevado estatuto académico de Miguel Relva, um herdeiro do meu patrício, mostra como em maior ou menor grau todos temos a cultura do antigo mestre, todo um povo discute o mérito académico de um inútil e ninguém questiona a inutilidade deste substituto luso do “don” espanhol. Este debate teve a vantagem de muitos dispensarem o tratamento de doutor, pensando no Relvas muitos dirão “trata-me antes por corno, mas por doutor é que não”. Aliás, com a forma como o João Duque promoveu o Catroga a catedrático a 0% não admiraria nada que um dia destes seja igualmente ofensivo o tratamento por professor.