A Vila Real de Santo António da minha infância era uma terra
de muitos mestres, mas não eram mestres em direito ou com o MBA XPTO da
Católica/Nova/MIT, eram mestres das fábricas de conservas de peixe, das
oficinas e das traineiras. Os únicos mestres nas escolas eram os mestres de
trabalhos oficinais já que a escola loca, era uma das antigas escolas
industriais e comerciais.
Se hoje ser doutor justifica as maiores vigarizes quando o
nível intelectual está entre o do deficiente e o do imbecil, com um pedido de
desculpas para ambos, e ser mestre é quase como ser bispo da Igreja, naquele
tempo os mestres estavam no topo social dos mais pobres e um degrau abaixo do
primeiro degrau dos mais ricos. É por isso que ser mestre na escola não
justificaria um pedido de equivalências, os mestres das escolas industriais não
eram doutores nem ricos.
Sendo uma terra de castas a cada café no centro da vila correspondia
uma determinado tipo de clientela do mesmo estatuto social. O Café Império era
o café do regime, por lá parava desde o Baía da PIDE aos notáveis da terra, ali
se concentravam em amenas cavaqueiras (um pouco como se estivessem na Quinta da
Coelho) enquanto as suas dignas esposas estavam na missa.
Um dos mais “distintos” clientes era um mestre de trabalhos
oficinais, tinha a pronuncia com sotaque menos acentuado, não usava os mós, nem
trocava as ordenes rigorosas da gramática portuguesa, falava como se fosse de
Coimbra. Mas tinha um problema, transportava a chaga de ser mestre, ninguém
poderia adivinhar que um dia os mestres não teriam fedor a sardinhas nem
cheirariam a ferrugem, ser mestre era uma desvantagem.
É por isso que sempre que um aluno tratava o tal senhor por “Mestre”
ouvia invariavelmente a resposta “Mestre é o teu pai”, versão local da famosa
expressão “manso é a tua tia”. O ilustre professor de trabalhos oficinais tinha
pela palavra mestre a mesma aversão que todos deverão ter ao estatuto de corno
na versão de manso.
Como mudam os tempos, se dantes a designação de mestre
desencadeava tanta frustração social, agora há quem esteja disposto a entrar
num barril de alcatrão e ser coberto de penas de frango de aviário só para ser
doutor e ser tratado como tal, quando agora o estatuto de doutor está um degrau
abaixo do que antes era o mestre da traineira ou da escola.
Aliás, toda este debate em torno do elevado estatuto
académico de Miguel Relva, um herdeiro do meu patrício, mostra como em maior ou
menor grau todos temos a cultura do antigo mestre, todo um povo discute o
mérito académico de um inútil e ninguém questiona a inutilidade deste
substituto luso do “don” espanhol. Este debate teve a vantagem de muitos
dispensarem o tratamento de doutor, pensando no Relvas muitos dirão “trata-me
antes por corno, mas por doutor é que não”. Aliás, com a forma como o João
Duque promoveu o Catroga a catedrático a 0% não admiraria nada que um dia
destes seja igualmente ofensivo o tratamento por professor.