domingo, agosto 12, 2012

Os governantes devem ser condenados?


Animados pelo caso islandês alguns personagens da direita defenderam o julgamento de governantes logo a seguir à vitória da coligação da direita e extrema-direita. Mas como perceberam que adoptar uma lei penal com efeitos retroactivos só para perseguir Sócrates não passaria no Tribunal Constitucional a não ser que este fosse formado por juízes licenciados na Lusófona calaram-se depressa. Compreende-se, com a direita a governar não convinha nada adoptar tal lei.
  
É uma pena que o debate tenha sido encerrado pois seria interessante saber se um governante que adopta medidas de austeridade brutais, desnecessárias e não constantes do acordo com os credores deve ou não ser chamado a responder na justiça pelas consequências dessas medidas.
  
Algumas medidas de entre aquelas que podem ser consideradas para além da troika terão consequências trágicas, muitos portugueses irão à falência, outros perdem os seu emprego, muitos ficarão reduzidos à condição de pobres. No final deste processo de ajustamento que o actual governo decidiu que devia ser muito mais brutal do que o acordado com as instituições financeiras internacionais haverá um balanço trágico de mortes, gente que o desespero levou ao suicídio, que a ruína conduziu a problemas cardiovasculares ou portugueses doentes a quem a austeridade vedou o acesso ao SNS.
  
Poderemos considerar que nalgumas destas mortes estamos perante situações de homicídio cuja responsabilidade pode e deve ser atribuída aos membros do governo?
  
Se o excesso de austeridade é inevitável para evitar uma situação financeira pior um governo não pode ser condenado porque fez o que tinha a fazer. Mas se o excesso de medidas se revelou incompetente e visar transformar valores ideológicos em princípios de política económica os governantes são responsáveis pelas consequências das suas políticas.
Os excessos de austeridade adoptados por este governo não constavam de qualquer programa político ou eleitoral e isso significa que a legitimidade política deste governo para adoptar tais medidas é questionável, se para as sustentar foram inventadas mentiras como o famoso desvio colossal a situação será ainda mais grave. Se ainda por cima a economia quase vai à ruina em consequência de decisões claramente inconstitucionais estamos perante razões que colocam a questão da legitimidade de um governo.
  
É uma pena que quem começou com o debate do julgamento de políticos tenha decidido esquecer o assunto pois a actuação do actual governo seria um excelente case study. Um governo que adopta medidas assentes em mentiras, que dessas medidas resulta como consequência uma situação económica mais grave do que a anterior e que adopta medidas sem fundamentação económica e que não passam de uma transposição grosseira de uma ideologia para a política económica deve assumir as responsabilidades pelas consequência dessas políticas implementadas à margem dos compromissos eleitorais, dos valores constitucionais e em desrespeito pela vontade dos portugueses.
  
Deve,m os governos ser responsabilizados criminalmente pelas consequências do que fazem quando o fazem à margem da Constituição e dos valores éticos e dos compromissos eleitorais? A resposta só pode ser sim.
  
PS: É uma pena que o governo de Sócrates não tenha sido julgado, seria interessante chamar a depor alguns banqueiros, o presidente da República, o então líder da oposição, investigadores de casos como o BPN e os submarinos, etc., etc..