Animados pelo caso islandês alguns personagens da direita
defenderam o julgamento de governantes logo a seguir à vitória da coligação da
direita e extrema-direita. Mas como perceberam que adoptar uma lei penal com
efeitos retroactivos só para perseguir Sócrates não passaria no Tribunal
Constitucional a não ser que este fosse formado por juízes licenciados na
Lusófona calaram-se depressa. Compreende-se, com a direita a governar não
convinha nada adoptar tal lei.
É uma pena que o debate tenha sido encerrado pois seria
interessante saber se um governante que adopta medidas de austeridade brutais,
desnecessárias e não constantes do acordo com os credores deve ou não ser
chamado a responder na justiça pelas consequências dessas medidas.
Algumas medidas de entre aquelas que podem ser consideradas
para além da troika terão consequências trágicas, muitos portugueses irão à
falência, outros perdem os seu emprego, muitos ficarão reduzidos à condição de
pobres. No final deste processo de ajustamento que o actual governo decidiu que
devia ser muito mais brutal do que o acordado com as instituições financeiras
internacionais haverá um balanço trágico de mortes, gente que o desespero levou
ao suicídio, que a ruína conduziu a problemas cardiovasculares ou portugueses
doentes a quem a austeridade vedou o acesso ao SNS.
Poderemos considerar que nalgumas destas mortes estamos
perante situações de homicídio cuja responsabilidade pode e deve ser atribuída
aos membros do governo?
Se o excesso de austeridade é inevitável para evitar uma
situação financeira pior um governo não pode ser condenado porque fez o que
tinha a fazer. Mas se o excesso de medidas se revelou incompetente e visar
transformar valores ideológicos em princípios de política económica os
governantes são responsáveis pelas consequências das suas políticas.
Os excessos de austeridade adoptados por este governo não
constavam de qualquer programa político ou eleitoral e isso significa que a
legitimidade política deste governo para adoptar tais medidas é questionável,
se para as sustentar foram inventadas mentiras como o famoso desvio colossal a
situação será ainda mais grave. Se ainda por cima a economia quase vai à ruina
em consequência de decisões claramente inconstitucionais estamos perante razões
que colocam a questão da legitimidade de um governo.
É uma pena que quem começou com o debate do julgamento de
políticos tenha decidido esquecer o assunto pois a actuação do actual governo
seria um excelente case study. Um governo que adopta medidas assentes em
mentiras, que dessas medidas resulta como consequência uma situação económica
mais grave do que a anterior e que adopta medidas sem fundamentação económica e
que não passam de uma transposição grosseira de uma ideologia para a política
económica deve assumir as responsabilidades pelas consequência dessas políticas
implementadas à margem dos compromissos eleitorais, dos valores constitucionais
e em desrespeito pela vontade dos portugueses.
Deve,m os governos ser responsabilizados criminalmente pelas
consequências do que fazem quando o fazem à margem da Constituição e dos
valores éticos e dos compromissos eleitorais? A resposta só pode ser sim.
PS: É uma pena que o governo de Sócrates não tenha sido julgado, seria interessante chamar a depor alguns banqueiros, o presidente da República, o então líder da oposição, investigadores de casos como o BPN e os submarinos, etc., etc..